Clara Maria C. Brum de Oliveira
A pedagogia configura uma área do conhecimento
humano que analisa de maneira rigorosa e sistemática a prática educativa em
suas diversas nuances. Nesse sentido, José Carlos Libâneo a considera uma
ciência da educação. Portanto, nesta aula, vamos investigar um pouco mais a
educação, sob o olhar de um professor reflexivo que, nos dizeres de Marco
Lorieri, acredita na capacidade de pensamento e reflexão e compreende o ser
humano como criativo. Nesse horizonte, busca-se uma educação que pretende
trilhar um caminho alternativo ao de mero reprodutor de concepções e práticas
que somente se justificam numa relação de poder (LORIERI, 2004, p. 16).
Antes de prosseguir assista ao vídeo do prof. José
Carlos Libâneo sobre o perfil do professor: http://www.youtube.com/watch?v=6kk__FXVwC0
Educação:
techne, arete e paidéia
A educação é uma atividade humana que se afigura
em todas as épocas. Para os gregos, era o cumprimento de mandamentos, tais
como: honrar os deuses, honrar pai e mãe etc. Também era concebida como um techne, a transmissão de conhecimentos e
aptidões profissionais – um conhecimento técnico capaz de ser transmitido por
um instrutor. O termo Paidéia que
frequentemente é apresentado como a educação do jovem grego, surgiu apenas no
séc. V a.C., limitado a um contexto muito específico: a educação de meninos.
Além de paidéia e techne, o termo que estaria na história
do pensamento grego antigo era arete,
ou seja, virtude, expressão de um ideal de vida que buscava a excelência humana
(JAEGER, 1989, p. 18-19). Nesse contexto, pode-se inferir que a necessidade de
conhecimento sempre esteve relacionada ao trabalho, à sociedade e à cultura e
se desvela como uma estratégia para a existência coletiva (SEVERINO, 2004).
Assim, conhecimento algum pode prescindir de uma
experiência histórica, coletiva e, sobretudo, política. Segundo Antônio Joaquim
Severino (2004, p. 24, grifo do autor) o compromisso pedagógico com a educação
não pode descurar de um tecido social que é o solo de todas as relações, pois
Os homens, para que sejam especificamente
humanos, têm de habitar uma societas
(...). Mas é preciso observar que essa trama de relações sociais que tece a
existência real dos homens não se caracteriza apenas como coletividade gregária
dos indivíduos, como ocorre nas ‘sociedades’ animais; um elemento específico
interfere aqui, mais uma vez marcando uma peculiaridade humana: a sociedade
humana é atravessada e impregnada por um coeficiente de poder, ou seja, os
sujeitos individuais não se justapõem, uns ao lado dos outros, em condições de
simetria igualdade, mas se colocam hierarquicamente, uns sobre os outros, uns
dominando os outros. Torna-se assim uma sociedade política, uma cidade. Esse
coeficiente que marca nossas relações sociais como relações políticas e que
caracteriza nossa prática social envolve os indivíduos na esfera do poder.
A partir da ótica de uma sociedade política,
percebemos que existem muitas formas de se conceber a educação. Uma delas está
na relação que se estabelece com o poder. Entendendo-se pelo termo poder algo que se “baseia tanto na força
quanto na crença” (CHALITA, 2005, p. 22).
Até onde se pode verificar, qualquer atividade
humana está inserida em relações de poder e a docência não teria uma destinação
diferente. Há algumas tendências na interpretação do papel da educação na
sociedade: vamos conhecê-las?
Educação
como reprodução da sociedade.
Quando observamos a possibilidade da educação
como reprodução, uma das leituras possíveis, não podemos esquecer a
contribuição de Louis Althusser* (1918-1990) quando tematizou os aparelhos
ideológicos do Estado e, nesse horizonte, promoveu uma visão crítica da
Educação.
[*Louis Althusser (1918 – 1990) foi considerado um dos principais filósofos
do estruturalismo francês, ao lado de Claude Lévi-Strauss, Jacques Lacan,
Michel Foucault e Jacques Derrida. Filiou-se ao pensamento marxista e
investigou o Estado a partir da concepção de repressão e ideologia.]
A questão fundamental pode ser expressa da
seguinte maneira: O que se aprende? Para quem? Por quê? Aprende-se uma maneira
de ser e fazer à moda capitalista (ALTHUSSER, 1985, p. 57-58). Na esteira da
clássica divisão da sociedade em dois níveis elaborada por Marx, Althusser
investiga quais os aparelhos ideológicos do Estado e como agem.
O Estado visto como aparelho repressivo exerce
sua função através de instituições que colaboram na reprodução do modo
capitalista. Temos, portanto aparelhos repressivos, identificados como o
Governo, Administração Pública, Exército, Política, Tribunais, prisões. E os aparelhos
ideológicos, tais como: a escola, igrejas, sindicatos etc., que utilizam ideologias arraigadas por muito tempo
na cultura e que expressam valores e ideais de uma classe dominante (MARQUES,
p. 4).
E como acontece? Segundo observou Althusser,
cria-se uma visão de mundo que se perpetua, encoberta e dissimula e são
transmitidas por aqueles que, por sua vez, foram criados neste sistema. Por
isso, para o autor o aparelho ideológico
mais significativo é a escola – a educação. Porque induz e reproduz um
modelo, sob o manto da neutralidade. Nesse horizonte comenta Rafael da Silva
Marques (p. 5):
Quanto aos AIE [Aparelhos Ideológicos de Estado];
deve-se ter em mente que é por eles que o modo de produção capitalista se
repete e incorpora nas mentes das pessoas. A educação trazida pelos
professores, criados já com base neste sistema, transmite-se a seus alunos e
cria, na visão destes mesmos alunos, uma espécie de ética da exclusão social
embasada na lei do maior ou menor esforço, onde tudo está ao alcance de quem
efetivamente quiser trabalhar.
Assim, tais ideias ocultam ou representam mal as
relações sociais e possibilitam adequações, ajustamentos para o funcionamento
das engrenagens sociais (VAISMAN,
2006, p. 256).
Sobre este ponto, assista a um trecho do filme
“Pro dia nascer feliz”, disponível no Youtube - documentário sobre o sistema educacional brasileiro, do
diretor João Jardim:
Alguns
exemplos de ideologias:
“O trabalho dignifica o homem” [esta tese
independe de uma realidade em que o ser humano é visto como mercadoria,
embrutece e é coisificado (reificação).]
“A educação é um direito de todos” [as
estatísticas sobre a educação no Brasil revelam uma realidade bem diferente!]
“O salário é a recompensa do trabalhador” [Esquece-se
da mais-valia, da exploração do assalariado.]
Antes de prosseguir, assista ao documentário Ilha
das Flores, disponível no Youtube e, em seguida, repense a teoria dos aparelhos
ideológicos de Louis Althusser:
A experiência do processo educativo está presente
em nossas vidas, desde a tenra idade, deixando marcas em nossa personalidade,
fornecendo as condições de possibilidade para reprodução de um modelo de
sociedade em que os papéis sociais já estão definidos e através da aprendizagem
de alguns saberes há a inculcação de maneiras de ser e agir que a perpetuam
(LUCKESI, 1994, p. 47).
Nesse modelo reprodutivo, alerta-nos Luckesi
(1994) há uma condição trágica: todo esforço será em vão, já que sempre haverá
reprodução de modelos que justificam e legitimam papéis sociais. Essa é uma
reflexão importante.
Educação
como redenção e transformação.
Um das tendências na
interpretação da educação é a leitura desta como uma dimensão redentora. O
sentido do termo de redenção nos direciona ao ato ou efeito de redimir e, sem
dúvida, a uma teoria de cunho religioso a partir da teologia cristã. Nesta
concepção, há uma preocupação em integrar seres humanos à sociedade vista como
um todo orgânico. Integrar aqueles que por diversas razões experimentam desvios
e estariam à margem da harmonia desse todo: “deve configurar e manter a conformação do corpo social” (LUCKESI,
1994, p. 38).
Segundo Luckesi (1994,
p. 38), esse modelo encontra raízes no pensamento de Comênio, educador do
século XVII, cuja obra mais famosa é Didatica
Magna e que compreendia, numa visão fundada em aspectos religiosos, que o
antídoto ao desequilíbrio social estaria no sentido de redenção, renovando o
ser humano pela educação. Nesse sentido assevera Luckesi (1994, p. 40-1) que
Vale observar que essa
concepção e educação redentora da sociedade perdurou por épocas. Os
enciclopedistas da Revolução Francesa (pedagogia tradicional) e os pedagogos do
final do século passado (pedagogia nova continuam com essa mesma compreensão.
Os enciclopedistas acreditavam na redenção da sociedade pela educação das
mentes e os pedagogos da escola ativa do final do século passado e início deste
acreditavam na redenção da sociedade através da formação da convivência entre
as pessoas, a partir do atendimento às diferenças individuais de cada um.
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A essa tendência de
dar à educação a finalidade filosófico-política de redimir a sociedade,
Dermeval Saviani dá a denominação de ‘teoria não crítica da educação’, devido
ao fato de ela não levar em conta a contextualização crítica da educação dentro
da sociedade da qual ela faz parte. (...) Quantos não são aqueles [hoje] que
trabalham em educação e consideram ingenuamente os seus atos como atos isentos
de comprometimentos com a política e totalmente voltados para a redenção da
sociedade?
Por outro lado, assumir
os ideais de uma educação como transformação, outra tendência, significa
pretender um novo modelo de educação baseado numa prática docente, igualmente
nova, comprometida com a capacidade reflexiva e que busque metodologias que não
tomem como ponto de partida um modelo de ensino mecânico e repetitivo, descontextualizado.
A educação não está a serviço da
conservação. Nos dizeres de Cristina Dias Allessandrini (2002, p. 166),
para que possamos
ensinar nossos alunos, precisamos rever nosso próprio modo de aprender, nosso
modo de construir a experiência. (...) Portanto, refletir a respeito do que
vivenciamos quando alunos pode ser uma excelente maneira para não reproduzirmos
com nossos aprendizes o mesmo caminho que trilhamos, por vezes carregados de
antigas aprendizagens que observamos e reconhecemos como aprisionantes.
É nesse contexto que o
professor reflexivo encontra a sua destinação mais importante. Deve buscar no
aprofundamento teórico, através da pesquisa, refletir as conexões e articular saberes
para compreender o movimento histórico e retornar à sua prática preparado para enfrentar desafios e aporias. Por
quê? Porque uma pesquisa inovadora se afasta da concordância, da reprodução, da
ingênua visão redentora e instaura o desacordo em solo fértil. As maiores
descoberta científicas que provocaram revoluções científicas foram as que
nasceram do desacordo/discordância e estimularam outras investigações. Como
afirma Luckesi (1994, p. 48):
A terceira tendência
[educação como transformação da sociedade] é a que tem por perspectiva
compreender a educação como mediação
de um projeto social. Ou seja, por si, ela nem redime, nem reproduz a sociedade,
mas serve de meio, ao lado de outros meios, para realizar um projeto de
sociedade; projeto que pode ser conservador ou transformador. No caso, essa
tendência não coloca a educação a serviço da conservação. Pretende demonstrar
que é possível compreender a educação dentro da sociedade, com seus
determinantes e condicionantes, mas com possibilidade de trabalhar pela sua
democratização.
Assim, considerando os
novos tempos, a sociedade mediada pela informação e tecnologia, bem como
marcada por um multiculturalismo, como podemos entender o conceito de mediação
que está na base dessa percepção filosófica sobre a educação? Pense sobre isso!
Para uma reflexão final, assista ao vídeo Aprender a
aprender: uma educação mediadora.
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participação pessoal na construção de um novo modelo educacional. In:
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