terça-feira, 21 de maio de 2013

A pesquisa como papel educativo e científico


Clara Maria C. Brum de Oliveira



A espécie humana é obrigada a extrair de si mesma pouco a pouco, com suas próprias forças, todas as qualidades naturais, que pertencem à humanidade. Uma geração educa a outra.
(Kant. Sobre a Pedagogia)


Até aqui estudamos o conceito de pesquisa, as modalidades de pesquisa, a relação com a ideologia. A partir de agora, enfrentaremos um outro desafio: estudar o nexo entre educação e pesquisa que se desvela no horizonte da problemática do  conhecimento.

E, nesse aspecto, podemos afirmar que a educação se afigura como um processo contínuo e inacabado uma vez que decorre da vivência humana, bem como aspira à construção de sujeitos autônomos.

Abbagnano (1982, p. 288/289) observa que o termo educação significa a transmissão e o aprendizado das técnicas culturais. O conjunto dessas técnicas é denominado cultura. E acrescenta que sociedade alguma conseguiria sobreviver sem, nas palavras de Kant, uma geração educar a outra.

Aponta, por conseguinte, duas formas fundamentais para o termo educação: a primeira, no sentido de transmissão de maneiras de ser e agir consolidadas por um grupo social; a segunda, a que nos interessa nessa reflexão, a formação de pessoas, ou seja, seu amadurecimento para o exercício da autonomia (auto + nomos) que configura a passagem da potência ao ato, numa linguagem aristotélica.

Esta maneira de compreender a educação não pode se furtar às críticas formuladas por Theodor  Adorno (1995) no sentido de uma educação verdadeiramente comprometida com a emancipação. Para este pensador, espera-se uma educacão comprometida com a emancipacão de sujeitos para que configure um obstáculo ao que denominou de “barbárie”, ou seja, o impulso de destruição que o homem traz em si mesmo e que se desvela de maneiras diferenciadas e em graus de agressividades igualmente diferenciados numa sociedade (OLIVEIRA, p. 37).

É importante esclarecer em que contexto se insere a crítica de Theodor Adorno. Para Theodor W. Adorno, a educação teria a responsabilidade de construir uma “consciência verdadeira” capaz de uma auto-reflexão crítica (RESENDE, 2003). Mas como construir uma consciência crítica? Quais seriam as condições de possibilidade para  o seu desenvolvimento?  Caberia à pesquisa esse compromisso com o desenvolvimento de uma consciência verdadeira?

Nosso ponto de partida, portanto é o conceito de pesquisa como uma atividade intelectual intencional e que desvela um procedimento reflexivo, sistemático, controlado e crítico que permite descobrir novos dados, soluções ou leis, em qualquer área do conhecimento. E enquanto atividade reflexiva, nos interessa pontuar a sua influência sobre a docência.

Nesse horizonte, é possível observar, também,  o desenvolvimento de habilidades por parte do pesquisador e que parecem  estar na base de um sujeito reflexivo que pensa a sua condição de ser humano como um ser essencialmente histórico e que precisa do conhecimento que contrói, através da pesquisa, para se “autoproduzir ao mesmo tempo em que produz a sua própria cultura” (ARANHA, 1996, p. 15). Um sujeito que precisa ter abertura de espírito, responsabilidade e predisposição para enfrentar a atividade com curiosidade e entusiasmo (ALVES, 2009, p. 55).


A docência, pesquisa e emancipação

Segundo Menga Lüdke (2007, p. 15), aquele que pretende ensinar deve antes aprender a prender, ou seja, analisar sua própria prática de maneira crítica, repensar seu passos, a fim de se tornar “intelectual transformador” e ir muito além da mera preparação de aulas, mas produzir conteúdos consistentes, que não fiquem inertes ou silentes ao senso comum e às ideologias.

Ao citar Keneth Zeichner, observa a autora, que um professor verdadeiramente pesquisador configura em sua prática um olhar reflexivo direcionado pela pesquisa. A pesquisa “é uma atividade constitutiva do trabalho do professor” (2007, p. 35), porque a sua razão de ser está dirigida a uma auto-reflexão crítica. Sem ela o professor falseia a sua razão de ser no processo  de aprendizagem.

Uma educação emancipatória, portanto encontra na prática da pesquisa uma ferramenta importante de construção de um pensamento divergente que evita repressões, se afasta da mera reprodução de ideias, pensa a sociedade na sua complexidade distanciando-a do caráter industrial da cultura e, na linguagem de Adorno, pode ser um eficaz instrumento para se combater a "barbárie".

Segundo Paulo César de Oliveira (s/d, p. 39), Adorno nos oferece uma observação pertinente nesse tema: uma das características da atual sociedade tecnológica é a criação de uma indústria cultural. Entendendo-se por essa expressão um instrumento de manipulação das consciências, pleno de conteúdo ideológico. Nos dizeres do próprio Adorno, na obra Dialética do Esclarecimento, nesta sociedade ocorre uma adaptação que frequentemente toma o lugar da consciência. Podemos acrescentar, então, que a  pesquisa seria um bom antídoto à acomodação.  Sua falta poderá contribuir para um bloqueio nas faculdades crítico-reflexivas do professor.

A partir dessa perspectiva, a pesquisa inserida na atividade docente pode favorecer a construção de sujeitos pensantes, pessoas autônomas a partir de uma racionalidade que difere da racionalidade instrumental, que não exclui o diferente, que percebe a importância do heterogêneo, bem como os efeitos das ideologias que geram acomodações, adaptações sem reflexão. Porque, em primeiro lugar terá que desenvolver o seu olhar reflexivo para depois, ensinar. Que outra área do saber poderia ser tão comprometida com o pensamento divergente?

E nesse caminho, muitas questões podem ser formuladas  que problematizam a relação entre educação e pesquisa no âmbito da docência, tais como:  Qual a ligação entre docência superior e pesquisa? Como se dá a formação de um docente pesquisador? Como se concebe a importância e a necessidade da atividade de pesquisa para repensar sua própria prática, além da aquisição de novos conteúdos? (LÜDKE,  2007).

A pesquisa pode ser considerada como uma possível resposta ao que se denomina  pseudoformação, que por sua vez, se traduz na perda da capacidade de vivenciar experiências formativas. É por isso que os autores observam que precisa ser resgatada na prática educacional em seus diferentes níveis.


"A pesquisa como descoberta e criação" - como diálogo com o outro

Pesquisar (...) é sempre também dialogar, no sentido específico de produzir conhecimento do outro para si, e de si para o outro. (...) Quem pesquisa tem o que comunicar. Quem não pesquisa apenas reproduz ou apenas escuta. Quem pesquisa é capaz de produzir instrumentos e procedimentos de comunicação. Quem não pesquisa assite à comunicação dos outros. (Pedro Demo)


Pedro Demo (2009, p. 37) define pesquisa como "diálogo inteligente com a realidade, tomando-o [diálogo] como processo e atitude, e como integrante do cotiadiano".  Mas assevera que o termo diálogo, relacionado à pesquisa, não se dirige ao sentido corriqueiro de comunicação entre interlocutores no mundo da vida. O termo Diálogo relacionado à pesquisa, acrescenta,  "é fala contrária, entre atores que se encontram e se defrontam. Somente pessoas emancipadas podem de verdade dialogar, porque têm com que contribuir. Somente quem é criativo tem o que propor e contrapor"(2009, p.37).

Nessa dimensão, a prática da pesquisa, imprescindível ao saber docente,  poderá ser vista como possibilidade de descoberta de novos caminhos, em que o cuidado na manipulação de conceitos, a paciência na construção de hipóteses, demonstra que é, também,  momento de criação, momento de diálogo com autores e suas teorias.

Sobre este ponto, assista ao vídeo do Prof. Pedro Demo sobre Educação pela Pesquisa

É nesse ponto que precisamos investigar o termo pesquisar que difere do sentido de ensino da pesquisa, pois traduz-se num saber fazer. Um saber fazer que organiza e seleciona conteúdos, dispõe de estratégias metodológicas,  reconhece técnicas,  formula hipóteses, avança e retrocede retomando passos, falseando percepções, formulando novos questionamentos, aguçando a curiosidade e etc. Segundo Hegrisson C. Alves (2009, p.53) a pesquisa nos ensina a estudar e aprender, pois

A pesquisa parte de uma situação problemática, de incerteza e de dúvida, considerada como o primeiro momento da indagação na medida em que sugere, de algum modo, mesmo que vagamente, uma solução, uma ideia de como sair dela. O segundo momento é o desenvolvimento desta sugestão, desta ideia, mediante o raciocínio, que Dewey chama de intelectualização do problema. O terceiro momento consiste na observação e na experiência: trata-se de provar as várias hipóteses formuladas, e refutá-las ou não. O quarto momento consiste numa reelaboração intelectual das sugestões ou hipóteses inicialmente. Chega-se assim a formular novas ideias que encontram no quinto momento da indagação a sua verificação, e que pode consistir na aplicação prática ou simplesmente indicar novas observações ou experimentações.

A partir dessa experiência, aprendemos a olhar de modo diferente, a problematizar conceitos, a desconfiar do que está pronto e acabado, indo além das competências técnicas e científicas. Assim,  a pesquisa promove, antes de tudo, o desenvolvimento de uma maneira de pensar que resulta do aprendizado pela "reflexão" em que o  "sujeito cria, pela auto-reflexão, ou reflexão de si mesmo, condições de ver-se como pessoa e ver o outro como seu semelhante" (CASSOL, 2008, p.147).

A pesquisa exige abertura e disposição para o diálogo, pois o conhecer não significa mais dominar, e sim dialogar. Para tanto, o docente precisa estar aberto ao novo proveniente de diferentes fontes, olhar com generosidade alternativas de percurso, reconhecer os próprios erros, numa palavra: ser criativo. É nesse sentido que a pesquisa assume seu papel educativo, pois desenvolve o pensamento reflexivo, bem como apresenta sua dimensão científica a partir das competências técnicas e científicas que oportuniza ao pesquisador.

Dialogar com a realidade talvez seja a definição mais apropriada de pesquisa, porque a apanha como princípio científico e ducativo. Quem sabe dialogar com a realidade de modo crítico e criativo faz da pesquisa condição de vida, progresso e cidadania (DEMO, 2009, p. 44).


Sócrates que o diga! 


Referências:


ADORNO, T. Educação e emancipação. Tradução Wolfgang Leo Maar. Rio de

ALVES, H. C. O professor reflexivo, sua formacão e sua práxis pedagógica. In: I congresso internacional de Educação e Comunicacão. Anais. Foz do Iguaçu/PR: UDC, nov. 2009. P. 52-61. Disponível em: <http://www.udc.edu.br/CongressoEduCom.pdf>. Acesso em: 24 abr 2011.


CASSOL, C, V.  A missão da filosofia na escola básica. In:  KUIAVA, Evaldo A.;  SANGALLI,  Idalgo J.; CARBONARA, Vanderlei (Org.). Filosofia, formação docente e cidadania. Ijuí - RS: UNIJUÍ, 2008. p. 143-163.

DEMO, Pedro. Metodologia científica em ciências sociais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

________. Pesquisa: princípio científico e educativo. 13. ed. São Paulo: Cortez, 2009.

DRÜCKER, Claudia.  A base da distinção entre ensino e pesquisa em filosofia. In:  KUIAVA, Evaldo A.;  SANGALLI,  Idalgo J.; CARBONARA, Vanderlei (Org.). Filosofia, formação docente e cidadania. Ijuí - RS: UNIJUÍ, 2008. p. 291-299.

MARQUES, Cláudia de Lima. Pesquisa de Iniciação Científica: da inquietude ao sucesso! Palavra do orientador. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/propesq/informativo/ic04/orientador.htm>. Acesso em: 14 mar. 2003.

RAMPAZZO, Lino. Metodologia Científica: para alunos dos cursos de pós-graduação e pós-graduação. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2005.

RESENDE, Maria do Rosário Silva. Educação com base em uma formação para a emancipação: uma reflexão. In: Inter-Ação: Rev. Fac. Educ. UFG, 28 (1): 37-49, jan./jun. 2003. Disponível em: <http://www.revistas.ufg.br/index.php/interacao/article/viewFile/1439/1442>. Acesso em: 23 abr 2011.

OLIVEIRA, Paulo César. Educação e emancipação: reflexões a partir da filosofia de Theodor Adorno. Disponível em: <http://www.theoria.com.br/edicao0109/Educacao_e_Amancipacao.pdf>. Acesso em: 23 abr 2011.







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