Clara Maria C. Brum de Oliveira
A espécie humana é
obrigada a extrair de si mesma pouco a pouco, com suas próprias forças, todas
as qualidades naturais, que pertencem à humanidade. Uma geração educa a outra.
(Kant. Sobre a Pedagogia)
Até aqui estudamos o conceito de pesquisa, as
modalidades de pesquisa, a relação com a ideologia. A partir de agora,
enfrentaremos um outro desafio: estudar o nexo entre educação e pesquisa que se
desvela no horizonte da problemática do
conhecimento.
E, nesse aspecto, podemos afirmar que a educação
se afigura como um processo contínuo e inacabado uma vez que decorre da
vivência humana, bem como aspira à construção de sujeitos autônomos.
Abbagnano (1982, p. 288/289) observa que o termo educação significa a transmissão e o
aprendizado das técnicas culturais. O conjunto dessas técnicas é denominado cultura. E acrescenta que sociedade
alguma conseguiria sobreviver sem, nas palavras de Kant, uma geração educar a
outra.
Aponta, por conseguinte, duas formas fundamentais
para o termo educação: a primeira, no
sentido de transmissão de maneiras de ser e agir consolidadas por um grupo
social; a segunda, a que nos interessa nessa reflexão, a formação de pessoas,
ou seja, seu amadurecimento para o exercício da autonomia (auto + nomos) que configura a passagem da potência ao ato, numa
linguagem aristotélica.
Esta maneira de compreender a educação não pode
se furtar às críticas formuladas por Theodor Adorno (1995) no sentido de uma educação verdadeiramente
comprometida com a emancipação. Para este pensador, espera-se uma educacão
comprometida com a emancipacão de sujeitos para que configure um obstáculo ao
que denominou de “barbárie”, ou seja, o impulso de destruição que o homem traz
em si mesmo e que se desvela de maneiras diferenciadas e em graus de
agressividades igualmente diferenciados numa sociedade (OLIVEIRA, p. 37).
É importante esclarecer em que contexto se insere
a crítica de Theodor Adorno. Para Theodor W. Adorno, a educação teria a
responsabilidade de construir uma “consciência verdadeira” capaz de uma
auto-reflexão crítica (RESENDE, 2003). Mas como construir uma consciência
crítica? Quais seriam as condições de possibilidade para o seu desenvolvimento? Caberia à pesquisa esse compromisso com
o desenvolvimento de uma consciência verdadeira?
Nosso ponto de partida, portanto é o conceito de
pesquisa como uma atividade intelectual intencional e que desvela um
procedimento reflexivo, sistemático, controlado e crítico que permite descobrir
novos dados, soluções ou leis, em qualquer área do conhecimento. E enquanto
atividade reflexiva, nos interessa pontuar a sua influência sobre a docência.
Nesse horizonte, é possível observar,
também, o desenvolvimento de
habilidades por parte do pesquisador e que parecem estar na base de um sujeito reflexivo que pensa a sua
condição de ser humano como um ser essencialmente histórico e que precisa do
conhecimento que contrói, através da pesquisa, para se “autoproduzir ao mesmo
tempo em que produz a sua própria cultura” (ARANHA, 1996, p. 15). Um sujeito
que precisa ter abertura de espírito, responsabilidade e predisposição para
enfrentar a atividade com curiosidade e entusiasmo (ALVES, 2009, p. 55).
A
docência, pesquisa e emancipação
Segundo Menga Lüdke
(2007, p. 15), aquele que pretende ensinar deve antes aprender a prender, ou
seja, analisar sua própria prática de maneira crítica, repensar seu passos, a
fim de se tornar “intelectual transformador” e ir muito além da mera preparação
de aulas, mas produzir conteúdos consistentes, que não fiquem inertes ou
silentes ao senso comum e às ideologias.
Ao citar Keneth
Zeichner, observa a autora, que um professor verdadeiramente pesquisador
configura em sua prática um olhar reflexivo direcionado pela pesquisa. A
pesquisa “é uma atividade constitutiva do trabalho do professor” (2007, p. 35),
porque a sua razão de ser está dirigida a uma auto-reflexão crítica. Sem ela o
professor falseia a sua razão de ser no processo de aprendizagem.
Uma educação
emancipatória, portanto encontra na prática da pesquisa uma ferramenta
importante de construção de um pensamento divergente que evita repressões, se
afasta da mera reprodução de ideias, pensa a sociedade na sua complexidade
distanciando-a do caráter industrial da cultura e, na linguagem de Adorno, pode
ser um eficaz instrumento para se combater a "barbárie".
Segundo Paulo César de
Oliveira (s/d, p. 39), Adorno nos oferece uma observação pertinente nesse tema:
uma das características da atual sociedade tecnológica é a criação de uma
indústria cultural. Entendendo-se por essa expressão um instrumento de
manipulação das consciências, pleno de conteúdo ideológico. Nos dizeres do
próprio Adorno, na obra Dialética do
Esclarecimento, nesta sociedade ocorre uma adaptação que frequentemente
toma o lugar da consciência. Podemos acrescentar, então, que a pesquisa seria um bom antídoto à
acomodação. Sua falta poderá
contribuir para um bloqueio nas faculdades crítico-reflexivas do professor.
A partir dessa
perspectiva, a pesquisa inserida na atividade docente pode favorecer a
construção de sujeitos pensantes, pessoas autônomas a partir de uma
racionalidade que difere da racionalidade instrumental, que não exclui o
diferente, que percebe a importância do heterogêneo, bem como os efeitos das
ideologias que geram acomodações, adaptações sem reflexão. Porque, em primeiro
lugar terá que desenvolver o seu olhar reflexivo para depois, ensinar. Que
outra área do saber poderia ser tão comprometida com o pensamento divergente?
E nesse caminho, muitas
questões podem ser formuladas que
problematizam a relação entre educação e pesquisa no âmbito da docência, tais
como: Qual a ligação entre
docência superior e pesquisa? Como se dá a formação de um docente pesquisador?
Como se concebe a importância e a necessidade da atividade de pesquisa para
repensar sua própria prática, além da aquisição de novos conteúdos?
(LÜDKE, 2007).
A pesquisa pode ser
considerada como uma possível resposta ao que se denomina pseudoformação, que por sua vez, se
traduz na perda da capacidade de vivenciar experiências formativas. É por isso
que os autores observam que precisa ser resgatada na prática educacional em
seus diferentes níveis.
"A
pesquisa como descoberta e criação" - como diálogo com o outro
Pesquisar (...) é
sempre também dialogar, no sentido específico de produzir conhecimento do outro
para si, e de si para o outro. (...) Quem pesquisa tem o que comunicar. Quem
não pesquisa apenas reproduz ou apenas escuta. Quem pesquisa é capaz de
produzir instrumentos e procedimentos de comunicação. Quem não pesquisa assite
à comunicação dos outros. (Pedro Demo)
Pedro Demo (2009, p.
37) define pesquisa como "diálogo inteligente com a realidade, tomando-o
[diálogo] como processo e atitude, e como integrante do cotiadiano". Mas assevera que o termo diálogo, relacionado à pesquisa, não se
dirige ao sentido corriqueiro de comunicação entre interlocutores no mundo da
vida. O termo Diálogo relacionado à pesquisa, acrescenta, "é fala contrária, entre atores
que se encontram e se defrontam. Somente pessoas emancipadas podem de verdade
dialogar, porque têm com que contribuir. Somente quem é criativo tem o que
propor e contrapor"(2009, p.37).
Nessa dimensão, a
prática da pesquisa, imprescindível ao saber docente, poderá ser vista como possibilidade de
descoberta de novos caminhos, em que o cuidado na manipulação de conceitos, a
paciência na construção de hipóteses, demonstra que é, também, momento de criação, momento de diálogo
com autores e suas teorias.
Sobre este ponto,
assista ao vídeo do Prof. Pedro Demo sobre Educação
pela Pesquisa
É nesse ponto que
precisamos investigar o termo pesquisar que
difere do sentido de ensino da pesquisa,
pois traduz-se num saber fazer. Um saber fazer que organiza e seleciona
conteúdos, dispõe de estratégias metodológicas, reconhece técnicas,
formula hipóteses, avança e retrocede retomando passos, falseando
percepções, formulando novos questionamentos, aguçando a curiosidade e etc. Segundo
Hegrisson C. Alves (2009, p.53) a pesquisa nos ensina a estudar e aprender,
pois
A pesquisa parte de uma situação
problemática, de incerteza
e de dúvida, considerada como o primeiro momento da indagação na
medida em que sugere, de algum modo, mesmo que vagamente, uma solução, uma
ideia de como sair dela. O segundo momento é o desenvolvimento
desta sugestão, desta ideia, mediante o raciocínio, que Dewey chama de intelectualização do
problema. O terceiro momento consiste na observação e na experiência: trata-se de provar as
várias hipóteses formuladas, e refutá-las ou não. O quarto momento consiste numa reelaboração
intelectual das sugestões
ou hipóteses inicialmente. Chega-se assim a formular novas ideias que encontram
no quinto momento da indagação a sua verificação, e que pode consistir na
aplicação prática ou simplesmente indicar novas observações ou experimentações.
A partir dessa
experiência, aprendemos a olhar de modo diferente, a problematizar conceitos, a
desconfiar do que está pronto e acabado, indo além das competências técnicas e
científicas. Assim, a pesquisa
promove, antes de tudo, o desenvolvimento de uma maneira de pensar que resulta
do aprendizado pela "reflexão" em que o "sujeito cria, pela auto-reflexão, ou reflexão de si
mesmo, condições de ver-se como pessoa e ver o outro como seu semelhante"
(CASSOL, 2008, p.147).
A pesquisa exige
abertura e disposição para o diálogo, pois o conhecer não significa mais
dominar, e sim dialogar. Para tanto, o docente precisa estar aberto ao novo
proveniente de diferentes fontes, olhar com generosidade alternativas de
percurso, reconhecer os próprios erros, numa palavra: ser criativo. É nesse
sentido que a pesquisa assume seu papel educativo, pois desenvolve o pensamento
reflexivo, bem como apresenta sua dimensão científica a partir das competências
técnicas e científicas que oportuniza ao pesquisador.
Dialogar com a
realidade talvez seja a definição mais apropriada de pesquisa, porque a apanha
como princípio científico e ducativo. Quem sabe dialogar com a realidade de
modo crítico e criativo faz da pesquisa condição de vida, progresso e cidadania
(DEMO, 2009, p. 44).
Sócrates que o diga!
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Acesso em: 23 abr 2011.
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