terça-feira, 21 de maio de 2013

A importância da pesquisa para a formação docente: o que pesquisar quer dizer



Clara Maria C. Brum de Oliveira

Você saberia dizer o que é pesquisa acadêmica? Qual a sua contribuição para a formação docente?
Como surgem as pesquisas? Qual a relação entre pesquisa e pensamento reflexivo?

Como surgem as pesquisas?

As pesquisas começam com ideias, ou seja, experiências individuais, teorias, observações de fatos, leitura de artigos etc. Podemos encontrar notícias, estudos, indagações, debates sobre variados assuntos que direcionam nosso interesse para pesquisa. Podemos afirmar que a possibilidade de êxito na atividade docente decorre  em grande parte da sua relação com a pesquisa acadêmica.

O que é necessário?
Quais as qualidades pessoais do pesquisador?

Uma pessoa com o perfil de pesquisador apresenta, em linhas gerais, algumas características, dentre as quais destacamos: conhecimento do assunto a ser pesquisado; curiosidade; criatividade; integridade intelectual; atitude autocorretiva; sensibilidade social; imaginação disciplinada; perseverança e paciência (GIL, 2010).  Posturas e atributos imprescindíveis para a docência superior, pois pressupõe o conhecimento dos conteúdos mais importantes, a atualização nas polêmicas teóricas, a precisão no uso dos conceitos e a criatividade na interpretação.

É muito importante observar que o pesquisador não é um gênio que, segundo o senso comum nasceu pronto, mas alguém, cuja vivência acadêmica propiciou o desenvolvimento de  habilidades e competências voltadas para a pesquisa científica (GIL, 2010).

É preciso advertir que o  processo da pesquisa não está reservado a poucos, mas integra o caminho de todo o estudante universitário. Para tanto, é importante conhecer a trajetória acadêmica, ter o domínio das técnicas, o manejo dos dados e o conhecimento das regras de formatação – as regras do jogo!

Nesse sentido, assista à entrevista do pesquisador Miguel Nicolelis

Como afirma Pedro Demo (2009), quem não pesquisa apenas reproduz ou apenas escuta. Ou aproveitando uma ideia do senso comum, diz-nos o autor,  o que os olhos não vêem [ leia-se lêem], o coração não sente!

Desmistificando o conceito de Pesquisa!
Começando pelo conceito de pesquisa...

A pesquisa é um procedimento reflexivo, sistemático, controlado e crítico que permite descobrir novos fatos ou dados, soluções ou leis, em qualquer área do conhecimento.

Dessa forma, a pesquisa é uma atividade voltada para a solução de problemas por meio dos processos do método científico. Podemos, assim, indicar os três elementos que caracterizam a pesquisa: a) o levantamento de algum problema; b) a solução à qual se chega; c) os meios escolhidos para chegar a essa solução, a saber, os instrumentos científicos e os procedimentos adequados (RAMPAZZO, 2005, p.49). Vejamos alguns conceitos para o termo:

(...) atividade intelectual intencional que visa a responder às necessidades humanas. (...) Pesquisar é o exercício intencional da pura atividade intelectual, visando a melhorar as condições práticas de existência (SANTOS, 2007, 17-20)

A pesquisa pode ser considerada um procedimento formal com método de pensamento reflexivo que requer um tratamento científico e se constitui no caminho para se conhecer a realidade ou para descobrir verdades parciais. Significa muito mais do que apenas procurar a verdade: é encontrar respostas para questões propostas, utilizando métodos científicos (LAKATOS, 1992, p. 43.).

A pesquisa é um procedimento reflexivo, sistemático, controlado e crítico que permite descobrir novos fatos ou dados, soluções ou leis, em qualquer área do conhecimento. Dessa forma, a pesquisa é uma atividade voltada para a solução de problemas por meio dos processos do método científico. Podemos, assim, indicar os três elementos que caracterizam a pesquisa: a) o levantamento de algum problema; b) a solução à qual se chega; c) os meios escolhidos para chegar a essa solução, a saber, os instrumentos científicos e os procedimentos adequados (RAMPAZZO, 2005, p.49).

Uma definição pertinente de pesquisa poderia ser: diálogo inteligente com a realidade, tornando-se como processo e atitude, e como integrante do cotidiano. (...) Diálogo é fala  contrária, entre atores que se encontram e se defrontam (DEMO, 2009, p.37).

Pesquisar é pensar, refletir, ler, discutir, perguntar, criticar, descobrir, enfim, é buscar uma visão, uma explicação, uma idéia, uma solução para as perguntas e problemas que nos movimentam e interessam; é construir, formar e organizar um pensamento (próprio ou não); é alcançar um resultado que apazigúe ou que confirme a inquietude inicial. Saber pesquisar é uma maneira para enfrentar qualquer desafio novo, e a vida dos profissionais é uma constante renovação destes desafios (MARQUES, 2003).


Por que pesquisar? “Quem ensina carece pesquisar; quem pesquisa carece ensinar”


Lewis Hyde (1945 -)* em recente entrevista mencionou que Johan Wolfgang Von Goethe(1749-1832) uma vez respondeu à pergunta “Quem sou eu?” com a seguinte observação: “Guardei e usei tudo que vi, ouvi e observei. Minhas obras foram nutridas por incontáveis indivíduos, inocentes e sábios, brilhantes e estúpidos. Infância, maturidade e velhice me trouxeram seus pensamentos, suas perspectivas de vida. Frequentemente colhi  o que outros plantaram. Meu trabalho é obra de um ser coletivo que carrega o nome de Goethe”.

*[Lewis Hyde, nascido em 1945 é um erudito, ensaísta, tradutor, crítico cultural, acadêmico e escritor . cf. FREITAS, Guilherme. Lewis Hyde: entre as ideias e o mercado. Disponível em:<http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2011/03/05/lewis-hyde-entre-as-ideias-o-mercado-367212.asp>. Acesso em: 21 abr 2011.]

Nesse mesmo sentido podemos interpretar a celebérrima frase de Newton em que observa  que somente pode chegar à formulação da lei da gravidade porque se apoiou em ombros de gigantes, ou seja, pesquisou quem veio antes. Nessas palavras aparentemente singelas, mas profundas numa reflexão filosófica, podemos compreender as razões que conduzem um  profissional de qualquer área do conhecimento à pesquisar.

A pesquisa assume especial destaque quando se trata da preparação do professor do Ensino Superior. Portanto, não há como deixar de considerar o sentido de uma formação que valorize a pesquisa, desmistificando o seu conceito a partir das ideias de criar e emancipar. Nos dizeres de Pedro Demo (2009, p. 14) a atividade docente e a pesquisa são elementos indissociáveis, porque para ser professor é preciso construir um caminho através da pesquisa capaz de viabilizar as condições de possibilidade do amadurecimento intelectual e acadêmico: “Quem ensina carece pesquisar; quem pesquisa carece ensinar”.




Veja agora uma dica de Mário Sergio Cortella:  Ser um bom professor...

A pesquisa e o pensamento reflexivo...

Através da pesquisa criam-se as condições para o pensamento reflexivo, ou seja, aquele pensamento que se volta sobre si mesmo, exige “posturas, atitudes e atributos mentais que nos permitem exercer a flexibilidade e a curiosidade constante em relação a fatos e conceitos novos” ( ALVES, 2009,  p. 55).

O termo reflexão denota, nos dizeres de Lalande (1993, p. 935), o retorno do pensamento sobre si mesmo. No uso corrente do termo designa a ideia de suspensão crítica do juízo, seja para analisar e compreender as causas ou razões de um fato; seja para calcular os efeitos de determinadas formas de agir. Abbagnano (1982, p. 805) o define como o “ato ou o processo por meio do qual o homem considera suas próprias operações” e mais adiante acrescenta três definições, a saber: reflexão como o conhecimento que o intelecto tem de si mesmo; reflexão como consciência; reflexão como abstração.

Immanuel Kant (1724-1804) construiu o conceito de reflexão transcendental em que o sujeito pensante examina e compara a ligação de várias representações: “A reflexão é a consciência da relação de certas representações dadas com as nossas diferentes fontes de conhecimento” (apud LALANDE, 1993, p. 935). Por isso uma análise reflexiva nos leva a perceber as próprias condições do pensamento, seja ele qual for.

A pesquisa, portanto como atividade reflexiva contribui para o desenvolvimento do conhecimento humano em todas as áreas, sendo sistematicamente planejada e executada segundo critérios rigorosos de processamento das informações. Será chamada de científica se for objeto de uma investigação planejada, desenvolvida e redigida conforme normas metodológicas consagradas pela ciência. 

Segundo Pedro Demo (2009) pesquisar coincide com criação e emancipação.  Através da pesquisa se estabelece um verdadeiro diálogo com a realidade nos permitindo construir uma consciência crítica, um espírito crítico. Por isso, não se trata de copiar o que já foi dito, mas reconstruir oferecendo novas possibilidades.

No âmbito universitário, a pesquisa assume um lugar de destaque. É indiscutível que o ensino sempre foi considerado uma atividade primordial da universidade, desde a Idade Média. Todavia o princípio que relaciona ensino e pesquisa foi apresentado por Wilhelm Von Humboldt, na ocasião que criou a Universidade de Berlim, em 1810, introduzido no ensino brasileiro em 1968, para enriquecer a atividade universitária (BOAVENTURA, 2009, p. 20). Nesse sentido, a nossa trajetória tem mostrado que essa relação se tornou um instrumento útil de qualificação teórica para os estudantes e professores. A pesquisa significa, antes de tudo, a conquista de novos territórios (DRUCKER, 2008, p. 291).
ANd9GcTc3XKEjJ07M352eDK16c05uBfU8VWg_9LrUrMGcbobClIBIDhF 
ANd9GcTc3XKEjJ07M352eDK16c05uBfU8VWg_9LrUrMGcbobClIBIDhFO ponto de partida!

Para iniciar uma pesquisa é preciso conhecer as modalidades disponíveis. E, nesse sentido, uma classificação com base em critérios poderá ser útil. Nesse processo alguns cuidados são recomendáveis. Encontramos em farta literatura sobre o assunto uma classificação do ponto de vista de sua

·       Natureza, ou seja, essência;
·       Abordagem, que significa forma de tratar alguma questão;
·       Objetivos, entenda-se finalidade ou motivo;
·       Procedimentos, que se traduz no sentido de maneiras de agir ou instruções.


Antes de prosseguir, assista ao vídeo Modalidades de Pesquisa em Educação


Recomendamos que você estude o significado de cada uma, considerando a pesquisa que  terá de realizar.

Pesquisa e Ideologia

Pedro Demo (2007) observa que um pesquisador deve estar atento a um elemento que não apresenta o critério de cientificidade, a ideologia, além do senso comum. Isso significa dizer que não produzimos um saber desvinculado de algumas concepções ideológicas, porque é impossível trabalhar o conhecimento desvinculado de seu aspecto histórico, um conhecimento descontextualizado.  E nesse aspecto, sabemos que certas concepções justificam algumas posições sociais vantajosas (DEMO, 2007). Trata-se de um tipo de pensar desvinculado da realidade.

E acrescenta que a ideologia “é intrinsecamente tendenciosa, no sentido de não encarar a realidade assim como ela é, mas como gostaria que fosse” (DEMO, 2007, p. 18). Mais adiante adverte que “a ideologia usa de instrumentos científicos, no que pode adquirir extrema sofisticação. Pode chegar à mentira, quando não só deturpa, mas inverte os fatos, fazendo de versões, fatos” (DEMO, 2007, p. 19).

Segundo Abbagnano (1982, p. 506) o significado moderno do termo ideologia é empregado para indicar um tipo especial de análise destituída de validade objetiva, todavia mantida pelos interesses claros ou velados daqueles que deles se servem, o que se coaduna com a tese defendida por Pedro Demo.

Esta visão tornou-se importante a partir do pensamento de Karl Marx que a compreendeu como o conjunto de crenças (doxa) que não apresenta validade além dos interesses prevalecentes, apresentando uma utilidade social para quem a produz ou acolhe.

É nesse sentido que Abbagnano (1982) afirma que ciência e ideologia habitam esferas distintas. A primeira ocupa o espaço da observação e do raciocínio; a segunda,  a esfera do sentimento e da fé. Assim, a função da ideologia é dirigir a ação, persuadir na direção de certa visão de mundo.


Para ficar mais claro, vejamos um exemplo: durante a Idade média havia a concepção do amor fraterno cristão, todavia inserida numa realidade social marcadamente desigual e opressora. Então esse amor fraterno fica limitado à esfera do irrealizável, do desejável, por isso é uma concepção ideológica.

O pesquisador deve ser cauteloso em sua pesquisa, pois a ideologia é “compreendida como uma sombra inevitável dos fenômenos do poder, que dela lança mão para se justificar” (DEMO, 2007, p. 19). É por isso que dissemos com Demo (2207, p. 19) que a pesquisa está pervadida de ideologias, ou seja, o conhecimento é influenciado pelo poder:


A ideologia mais inteligente é a que se traveste de ciência. Por isso, seu arquiteto típico é o intelectual, figura importante na justificação do poder, como também no outro dado: na elaboração da contra-ideologia, com vistas a mudar a história dominante. Entre os intelectuais sobressaem os que têm origem nas ciências sociais e similares, porque estão mais afeitos às condições sociais da estruturação do poder e das vantagens. Neste contexto transparece já a tendência histórica das ciências sociais de estarem mais a serviço do poder, organizando técnicas de controle social, do que a serviço da emancipação dos desiguais.
Nas ciências sociais, o fenômeno ideológico é intrínseco, pois está no sujeito e no objeto. A própria realidade social é ideológica, porque é produto histórico no contexto da unidade de contrários, em parte feita por atores políticos, que não poderiam – mesmo que o quisessem – ser neutros. Não existe história neutra como não existe ator social neutro. É possível controlar a ideologia, mas não suprimi-la.


Dessa  percepção, podemos inferir que todo objeto de pesquisa é um objeto construído. Assim, não podemos deixar de ouvir as recomendações de Habermas, ao expressar a visão da crítica frankfurtiana, segundo a qual não podemos confundir o pensar com a realidade pensada (apud  DEMO, 2007). “A ciência trabalha com uma realidade construída” (DEMO, 2007, p. 28).  Ou como afirma Gaston Bachelard (1996, p. 18): “Para o espírito científico, todo conhecimento é resposta a uma pergunta. Se não há pergunta, não pode haver conhecimento científico. Nada é evidente. Nada é gratuito. Tudo é construído”.

É com esse olhar que o docente deve reavaliar cuidadosa e constantemente a sua própria prática, refletindo sobre ela, para modificá-la como um professor reflexivo. E esse movimento surge a partir da pesquisa.







Referências:


ALVES, H. C. O professor reflexivo, sua formacão e sua práxis pedagógica. In: I congresso internacional de Educação e Comunicacão. Anais. Foz do Iguaçu/PR: UDC, nov. 2009. P. 52-61. Disponível em: <http://www.udc.edu.br/CongressoEduCom.pdf>. Acesso em: 24 abr 2011.


BACHELARD, G. A formação do espírito científico. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.

BOAVENTURA, E. M. Metodologia da pesquisa. São Paulo: Atlas, 2009.

DEMO, Pedro. Metodologia científica em ciências sociais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

________. Pesquisa: princípio científico e educativo. 13. ed. São Paulo: Cortez, 2009.

DRÜCKER, Claudia.  A base da distinção entre ensino e pesquisa em filosofia. In:  KUIAVA, Evaldo A.;  SANGALLI,  Idalgo J.; CARBONARA, Vanderlei (Org.). Filosofia, formação docente e cidadania. Ijuí - RS: UNIJUÍ, 2008. p. 291-299.

MARQUES, Cláudia de Lima. Pesquisa de Iniciação Científica: da inquietude ao sucesso! Palavra do orientador. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/propesq/informativo/ic04/orientador.htm>. Acesso em: 14 mar. 2003.

RAMPAZZO, Lino. Metodologia Científica: para alunos dos cursos de pós-graduação e pós-graduação. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2005.

SANTOS, A. R. Metodologia Científica.  A construção do conhecimento. RJ: Lamparina, 2007.

SEVERINO, Antônio J. Metodologia do trabalho científico.  São Paulo: Cortez, 2007.

CASTRO, Cláudio de Moura. A prática da pesquisa. 2 .ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006.

GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa.  São Paulo: Atlas, 2010.

LAKATOS, Eva Maria. Metodologia científica. São Paulo: Atlas, 2000.
Popper, K. Lógica das Ciências Sociais. Rio de Janeiro/Brasília: Tempo Brasileiro/Universidade de Brasília, 1978.

SANTOS , A. R. Metodologia Científica.  A construção do conhecimento. RJ: Lamparina, 2007.

SEVERINO, Antônio J. Metodologia do trabalho científico.  São Paulo: Cortez, 2007.

SAMPIERI, R. H.; COLLADO, F. C.; LUCIO, P. B. Metodologia da pesquisa. 3. Ed. São Paulo: Mc Graw-Hill, 2006.







Nenhum comentário:

Postar um comentário