Clara Maria C. Brum de Oliveira
O renascimento
inaugurou uma nova era com a substituição gradual da antiga ciência que se
baseava em longas argumentações lógicas pela observação dos fatos. E até
podemos dizer que o desenvolvimento da astronomia teve grande papel nessa
trajetória. Assim, as descobertas no campo da física e da astronomia conduziram
à superação gradual do paradigma antigo
que estava na base do sistema aristotélico e, por consequência propiciaram a
separação entre o saber científico e o saber filosófico.
Após o breve período do
renascimento, surgiu o que os pensadores chamam de idade moderna, também
conhecida como idade da razão. Sem dúvida, esse momento histórico foi
fertilizado por uma nova visão de mundo que influenciou o pensamento
científico.
Mas por que usaram o termo moderno para o período que se estende do séc. XVI ao XVIII?
No sentido etimológico, o termo moderno
designa o que é recente, a valorização do presente, do que é, possivelmente
mitificando o atual, por ser atual, desvalorizando o estado anterior. A palavra
foi utilizada por traduzir o sentido de algo novo, típico das épocas de
transição de valores: o pensamento novo dos modernos versus as teses dos antigos. Por conseguinte, quando estudamos esse
momento histórico estamos tratando de uma época marcada pelo processo de
ruptura com os valores defendidos pela tradição medieval.
Assim, podemos considerar
grandes pensadores tais como Francis Bacon (1561-1626), Thomas Hobbes
(1588-1679), René Descartes (1596-1650), Blaise Pascal (1623-1662), John Locke
(1632-1704), Nicolas de Malebranche (1638-1715), Baruch Spinoza (1632-1677),
Wilhelm Leibniz (1646-1716), George Berkeley (1685-1753), David Hume
(1711-1776), Immanuel Kant (1724-1804) e tantos outros, cujas obras partiram em
defesa das mudanças, do progresso nas artes, nas letras e ciências.
Mas é importante observar que
tais pensadores não se denominavam modernos,
uma vez que o conceito “moderno” enquanto periodização histórica aparece nos
estudos do filósofo alemão, Hegel (1770-1831), quando elaborou uma história da
filosofia (MARCONDES, 1997, p. 139).
Esta etapa do pensamento filosófico
e científico foi marcadamente um momento de otimismo histórico e de fé na
racionalidade e, neste ponto, podemos enumerar algumas ideias que nos ajudam a
compreender a atmosfera da época (MARCONDES, 1997):
1. A razão é considerada a
dimensão mais importante do homem;
2. O conhecimento liberta o ser
humano da ignorância e da superstição;
3. O universo é ordenado e
inteligível através da matemática;
4. Somente a ciência nos conduz
ao conhecimento verdadeiro;
5. A observação e a
experimentação são os meios válidos para acessar a ordem da natureza;
6. O homem é o senhor soberano
da natureza.
Esta valorização da razão nos conduziu à
problematização do tipo de racionalidade que se afigurou nesse contexto, ou
melhor, a partir desse contexto. O que se observa é que a razão sempre esteve
presente nas sociedades antigas e pensadores se esforçaram no sentido de
justificar suas crenças e objetivos a partir dela. Todavia um tipo de
racionalidade passa a ocupar lugar de destaque: a racionalidade instrumental que significa “a racionalidade dos meios
mais eficazes para alcançar o objetivo” (MENESES, 1998, p. 9). Neste aspecto,
importa buscar meios racionais e eficazes para fazer o que realmente interessa
– alcançar uma suposta sociedade moderna.
Jürgen Habermas (1929 -), na obra Técnica e Ciência como Ideologia,
publicada em 1968, observa que foi Max weber quem introduziu o conceito de
racionalidade com o objetivo de definir a atividade econômica capitalista.
Racionalização, diz Habermas, “significa, em primeiro lugar, a ampliação das
esferas sociais, que ficam submetidas aos critérios da decisão racional” (1994,
p. 45).
A sociedade se submete a uma racionalização
progressiva inerente ao processo de institucionalização do progresso científico
e técnico. Progresso que Habermas, ao citar a leitura de Herbert Marcuse sobre
o conceito desenvolvido por Weber, interpreta como uma forma determinada de
dominação política (HABERMAS, 1994, p. 46).
Por conseguinte, neste breve estudo sobre a história
do pensamento científico, podemos afirmar que o conhecimento e a informação não
se desvinculam de seu contexto social, mas ao contrário, este se afigura como
elemento condicionante (NUNES, 2007, p. 14).
A
ciência no séc. XIX:
No séc. XIX a ciência amplia seu lugar com a
consolidação de algumas áreas de saber, dentre elas a biologia, a física e a
química. Intensificam-se os debates acadêmicos e as pesquisas a partir de uma
ótica em que a ciência é percebida como possibilidade de libertação humana
(BRAGA; GUERRA; REIS, 2008, p. 13).
Foi um momento marcado por
muitas descobertas e invenções que passaram a integrar a vida cotidiana.
Nesse sentido, autores observam que
Esse tempo de prosperidade, felicidade e fé nas
conquistas do conhecimento humano – e de suas aplicações ao cotidiano por meio
da tecnologia – bem poderia ser chamado de belle-époque
da ciência (BRAGA; GUERRA; REIS, 2008, p. 14).
Pode-se, então, dizer que a industrialização foi um
fenômeno que marcou sua época. Como todo fenômeno social, resultou de vários
fatores, dentre eles a nova organização do trabalho a partir da relação entre
ciência e técnica (tecnologia). E neste cenário, estudiosos da ciência
iniciaram suas investigações no sentido de uma base teórica para essa nova
realidade.
Mas foi no campo do ensino que a Alemanha ofertou
uma contribuição importante. O ensino germânico valorizou simultaneamente o
pensamento especulativo e o saber técnico, ou seja, teoria e prática. Com a
reforma educacional operada por Wilhelm Von Humboldt (1767-1835), na
Universidade de Berlim, ensino e pesquisa se fundiram como elementos
indissociáveis. Segundo Severino (2002, p. 11 apud MARTINS, 2010):
(...) numa sociedade organizada, espera-se que a
educação, como prática institucionalizada, contribua para integração dos homens
no tríplice universo das práticas que tecem a sua existência histórica
concreta: no universo do trabalho, âmbito da produção material e das relações
econômicas; no universo da sociabilidade, âmbito das relações políticas, e no
universo da cultura simbólica, âmbito da consciência pessoal, da subjetividade
e das relações intencionais.
Humboldt introduziu a pesquisa como
função inerente à universidade, concepção corroborada por pensadores tais como
Karl Jasper e Hegel, e que configurou uma mudança qualitativa na própria
concepção de universidade, impulsionada pelo advento da ciência moderna.
A época de Napoleão Bonaparte, por
exemplo, não ficou silente a esse processo, mas também operou uma reforma
educacional que resultou na universalização do ensino sob o comando do Estado.
Contribuindo, assim, para o surgimento de escolas e liceus em que a “ciência
passou a ter importância significativa na formação de crianças e jovens da
época” (BRAGA; GUERRA; REIS, 2008, p. 18). E com a ciência, a
racionalização do espaço urbano, da vida e suas novas exigências.
Por essa razão, teoria e prática
vivenciaram uma relação intensa nesse momento, porque os inventos demandavam
soluções teóricas para os problemas tecnológicos. Essa era fase de Nikolaus
Otto (1832-91), Gottlieb Daimler (1834-1900), Karl Benz (1844-1929), Werner Von
Siemens (1816-92), Louis Pasteur (1822-95), dentre outros. Na literatura, H. G.
Wells (1866-1946) e Jules Verne (1828-1905), enfocando o futuro que a ciência
poderia trazer à sociedade.
A educação acompanhou esse movimento,
porque é um fenômeno humano que encontra sentido na temporalidade, nas
mediações entre as pessoas e com os objetos de investigação. Nos dizeres de
Cezar Luís Seibt (2008, p. 91)
O ser humano não nasce programado e
pronto para exercer as funções culturais, os papéis e habilidades que seu tempo
e lugar exigem. Ele nasce dentro de um horizonte não totalmente determinado
pelos instintos, no espaço da cultura, portanto, no âmbito da possibilidade.
Precisa, por isso, passar por um processo de aquisição de conhecimentos e
habilidades que lhe permitam ser aquilo que se é, ou deve ser na sua cultura.
O
desenvolvimento técnico
Nessa atmosfera profícua ao pensamento
científico, experimentou-se um vertiginoso aumento populacional que provocou
excedente de mão-de-obra. Este fenômeno foi importante para a consolidação do
novo modelo industrial. Braga, Guerra e Reis (2008, p. 21, grifo nosso)
sintetizam esta fase quando mencionam que:
O desenvolvimento técnico cristalizou
um enorme sentimento de esperança ao longo do século. As máquinas que invadiam
o cotidiano europeu apresentavam-se agora como a chave para a construção de um
futuro próspero, fazendo antever um tempo no qual os principais problemas que
afligiam a humanidade poderiam ser resolvidos pela ciência aplicada. O ideal de progresso cultivado pelos
intelectuais no século anterior ganhou as ruas. O homem havia se libertado das
limitações impostas pela natureza e pelas visões religiosas de outrora. A
razão tornava-o senhor de seu próprio destino. Parecia não haver limites para a
ciência e a tecnologia. Prometeu, enfim, fora desacorrentado.
A despeito desse grande entusiasmo, o processo de
industrialização inseriu máquinas em tarefas executadas anteriormente por
homens. Atrelada a esta situação, trabalhadores experimentavam condições
subumanas de trabalho e, como muitos estudiosos observam, a concepção
“universo-máquina” transformava homens em engrenagens desse novo sistema.
Um bom exemplo para esta situação foi a extração de
carvão que se tornou rentável à época, marcando a contradição entre um ideal de
progresso e realidade. Neste aspecto, cabe pontuar que os ideais de uma
sociedade igualitária cederam lugar aos movimentos socialistas e a ciência
encontrava-se no âmago desta contradição (BRAGA; GUERRA; REIS, 2008, p. 23).
A ciência crescia vertiginosamente e, ao mesmo
tempo, teóricos como Karl Marx (1818-1883) apontavam para as contradições e
para a necessidade de uma nova sociedade. Sem dúvida, o séc. XIX foi marcado
por um clima otimista em relação à ciência como lugar da verdade, sob o domínio
de uma racionalidade científica.
Todavia, tal euforia não afastou a inquietude de muitos pensadores
preocupados com as restrições e modificações impostas à sociedade. E reflexões
sobre a ciência* aparecem já no séc. XIX, incorporando o que mais tarde foi
denominado de epistemologia.
[*Bernard Bo estudou as ciências formais, lógicas e matemáticas em 1837.
William Whewell estudou as ciências da natureza em 1840. Cf. MORAES, Maria
Célia M. Notas introdutórias à epistemologia e à história das ciências. In:
HÜHNE, L. M. Filosofia e ciência.
Rio de Janeiro: Uapê; SEAF, 2008. p. 44.
Para enriquecer o seu olhar, assista a um fragmento do filme Germinal que trata do contexto
histórico da Revolução Industrial:
[Germinal (1993) - filme baseado no
romance de Émile Zola, do séc. XIX, dirigido por Claude Berri. A história refere-se ao cotidiano de
exploração sofrido pelos trabalhadores de várias minas de carvão na região de
Montsou, França.]
E, em
seguida, assista ao vídeo:
Marx e a Educação com Antônio Joaquim Severino:
Esclarecimento da Sociedade
A tradição positivista* representou o
pensamento que dominou a cultura européia a partir de 1840. E sob o aspecto
político, esta consolidou uma verdadeira revolução na vida social, cujo
entusiasmo se cristalizou em torno da concepção de progresso humano e social
irrefreável. Todavia, desequilíbrios sociais, lutas por novos mercados, a
miséria do proletariado e as diferentes formas de exploração de crianças e mulheres
foram observados pelo marxismo nesse horizonte positivista que os considerava
transitório e elimináveis.
[*Os representantes do
positivismo: Auguste Comte (1798-1857), na França; John Stuart Mill (
1806-1873) e Herbert Spencer (1820-1903), na Inglaterra; Jakob Moleschott
(1822-1893) e Ernst Heckel (1834-1919), na Alemanha; Roberto Ardigò
(1828-1920), na Itália. Cf. REALE, G.; ANTISERI, D. História da filosofia: do romantismo até nossos dias. São Paulo:
Paulus, 1991. p. 296.)]
O positivismo
Com Auguste Comte* (1798-1857)
foi difundida uma nova escola de pensamento que se baseou numa educação
científica básica, separada de aspectos metafísicos: o positivismo. A tradição positivista buscou os caminhos para um
estudo da ciência adequado a esta fase que marcava uma suposta superação de
toda e qualquer especulação filosófica, sinalizando assim seus limites no
interior de um discurso com método e conceitos próprios.
Estabeleceu-se assim um
critério de cientificidade, com a pretensão de ser a base para todo
conhecimento verdadeiro. Neste horizonte, a ciência foi concebida “como uma
atividade autônoma que progride de forma linear e acumulativa, por si mesma
como um continuum de racionalidade”
(MORAES, 2008, p. 51, grifo da autora).
[*Este autor elaborou duas
obras marcantes: Curso de filosofia
positiva (1830) em que apresentou os fundamentos de uma filosofia positiva
e a obra Sistema da política positiva
(1851), em que apresenta uma análise da sociedade e a proposta de uma religião
ateísta da humanidade (BRAGA; GUERRA; REIS, 2008, p. 26).]
De um modo geral, o positivismo valorizou a ciência
como o lugar do conhecimento e, nesse sentido, considerou as ciências naturais
como o único método possível, inclusive para o estudo da sociedade. A
Sociologia passa a ser vista como uma ciência de fatos naturais, ou seja, a
ciência das relações humanas e sociais.
Conforme assevera Giovani Reale e Dario Antiseri
(1991, p. 297) “em linhas gerais, o positivismo (...) é caracterizado pela
confiança acrítica e, amiúde, leviana e superficial, na estabilidade e no
crescimento sem obstáculos da ciência”. E mais adiante acrescentam que “através
da observação, é possível estabelecer as leis dos fenômenos sociais, como a
física pode estabelecer as leis que guiam os fenômenos físicos” (p. 301).
Antes de prosseguir, assista ao vídeo sobre o
positivismo e conheça um pouco mais sobre essa corrente de pensamento:
Segundo Maria Célia M. Moraes (2008), baseando-se no pensamento de Dominique
Lecourt*, a tradição positivista
apresentou um discurso contraditório, porque buscou fundamentos em pressupostos
que podem ser considerados metafísicos e ideológicos. Vejamos algumas críticas:
[*Dominique Lecourt (1944 - ) Filósofo francês
estudioso de Filosofia da Ciência, Ética, Bioética e Política.]
A primeira
incongruência estaria no tratamento concedido à ciência como uma entidade
autônoma, capaz de configurar um único objeto (a Ciência). Na verdade, não
devemos reduzir as práticas científicas num todo homogêneo (p. 49). Nesse
sentido assevera,
A ideia positivista de uma “ciência da ciência” nada
mais é, dessa forma, do que uma pretensão metafísica que pretende anular essas
diferenças para encontrar uma suposta essência comum, essa sim, o objeto
adequado para essa ciência. Estamos diante de uma metafísica cientificista tão
pretensiosa e arrogante como a que a precedeu na história (p. 49-50).
A segunda
inconsistência está no fato de pretender estabelecer limites e critérios
rigorosos de cientificidade, eliminando abordagens especulativas e metafísicas
do processo de construção do saber científico. Sendo certo que buscaram
fundamento num modelo de ciência típico das ciências da natureza, em particular
a física. Ao impor esse modelo às demais ciências, promovem um cerceamento, sob
o império de um suposto critério de cientificidade. E, neste caso, como dar
conta das ciências humanas que por sua natureza “são formas de saber
irredutíveis a esse modelo”. Ressalta a autora que
No que diz respeito às ciências humanas, trata-se
de uma verdadeira armadilha, uma vez que sua existência e positividade, desse ponto
de vista, passam a depender de sua cientificidade, quando de fato, são formas
de saber irredutíveis a esse modelo. Não por incapacidade ou incompetência dos
que se dedicam à sua construção, mas porque são saberes constituídos nessa
irredutibilidade, porque se encontram colocadas em uma configuração
epistemológica extremamente complexa, em permanente relação com as demais
formas de saber (p. 50).
A terceira
crítica que o autor apresenta se refere à pretensão do discurso científico de
cunho positivista em apresentar uma suposta autonomia, ou seja, não deve contas
a ninguém e constrói um espaço próprio para o seu fundamento epistemológico, um
saber que avança num sentido linear (p. 51).
A quarta
crítica observa que a tradição positivista ignorou o aspecto institucional da
ciência com a proposta de uma ciência universal, uma comunidade científica
universal. Sem considerar a existência de grupos fechados, estilos de pesquisa
diferentes, obstáculos na transmissão dos resultados, bem como o fato de
existir critérios de ordem econômica e política – as relações com o poder.
Portanto, ignorar a dimensão institucional da ciência significa não enxergar o
contexto de sua justificação e aplicação (p. 52).
A quinta
observação focaliza o projeto do positivismo que percebe a ciência como a
possibilidade de organizar o trabalho científico. E mais. A organizar a
sociedade a partir da ótica da ciência. Isto significa dizer que a “organização
social, a liberdade política, [questões] de tecnologia, de ciência de todas essas
formas de racionalidade moderna” (p. 53) deveriam ser vista e planejadas pela
ciência.
Além de assegurar a ciência como método único e
mais importante, a tradição positivista exaltou o conhecimento científico como
a solução para todos os problemas humanos e sociais, considerando os fatos
empíricos como a base do conhecimento verdadeiro, numa concepção da cultura
concebida como construção humana.
A
ciência no século XX
Como observa Eric Hobsbawm* é mais difícil falar
de uma época que configura o nosso próprio tempo, porque parte de nossas vidas
experimentou com maior ou menor grau de consciência esse momento histórico.
[*“Não é possível escrever a história do século XX como a de qualquer
outra época, quando mais não fosse porque ninguém pode escrever sobre seu
próprio tempo de vida como pode (e deve fazer em relação a uma época conhecida
apenas de fora, em segunda ou terceira mão, por intermédio de fontes da época
ou obras de historiadores posteriores” - HOBESBAWM, E. Era do extremos: o breve século XX – 1914-1991. São Paulo: Cia das
Letras, 1995. p. 7.)
Em linhas gerais, o séc. XX foi marcado por
guerras, depressão econômica e por um grande avanço científico e tecnológico
com invenções tais como o automóvel, a lâmpada, o telefone, o computador e
posteriormente a internet.
Na indústria, a linha de montagem e produção em
massa e a invenção de inúmeros eletrodomésticos. No âmbito da cultura, arte
moderna (expressionismo, realismo e cubismo), o desenvolvimento das tecnologias
de mídia de massa: filmes, rádio e televisão.
Na Física, a teoria da relatividade, a mecânica
quântica. Na Medicina, o antibiótico, o contraceptivo e o advento da biologia
molecular e da engenharia genética. Isso se observarmos apenas a história da
ciência a partir de seus produtos, sem pretender mencionar aqui todas as
inovações que provocaram novas maneiras de ser e agir no mundo.
Apesar desse vertiginoso avanço tecnológico e
científico, este século experimentou um olhar crítico em direção às concepções
positivistas do século anterior, fragilizando a percepção da ciência como único
método possível.
Críticas contundentes foram proferidas por
pensadores tais como Wilhelm Dilthey (1833-1911) e Edmund Husserl* (1859-1938),
sobre a neutralidade científica em relação aos interesses econômicos; sobre o
intenso desenvolvimento de tecnologias de guerra com grande poder destrutivo;
sobre a crença na dominação da natureza, tida como inesgotável e os consequentes
desequilíbrios ecológicos; sobre a crença num suposto avanço contínuo da
humanidade enfraquecida pela miséria, fome e pandemias.
[*
Dilthey – representante do historicismo alemão, promoveu uma análise
crítica da razão histórica no sentido de fundamentar a validade das ciências do
espírito, rompendo com o pensamento positivista que reduziu o mundo histórico à
natureza.
Cf. REALE, G.; ANTISERI, D. História da
filosofia: do romantismo até nossos dias. São Paulo: Paulus, 1991.]
[* Husserl – Fundador do da Fenomenologia, corrente de pensamento que
teve grande influência no séc. XX. Atento ao desenvolvimento das ciências
positivas e também das ciências histórico-sociais, incentivou debates sobre as
concepções filosóficas do positivismo. Cf.
REALE, G.; ANTISERI, D. História da
filosofia: do romantismo até nossos dias. São Paulo: Paulus, 1991.]
Uma das críticas mais interessantes foi elaborada
por Husserl que observou em seus estudos uma profunda crise nas ciências
européias. Uma crise que não repousava sobre a cientificidade* em si, mas sobre
o significado das ciências para a humanidade, ou seja, a pretensão segundo a
qual a ciência “é a única verdade válida e a ideia a ela ligada de que o mundo
descrito pelas ciências seria a verdadeira realidade” (REALE; ANTISERI, 1991,
p. 565). Giovani Reale e Dario Antiseri (1991, p. 565,) apontam tal crítica
quando citam Edmund Husserl:
Husserl traça a história dessa pretensão e dessa
ideia, a começar por Galileu e Descartes. Mas, escreve ele, “na miséria da
nossa vida, (...) essa ciência não tem nada a nos dizer. Em princípio, ela
exclui aqueles problemas que são os mais candentes para o homem, o qual, em
nossos tempos atormentados, sente-se à mercê do destino: os problemas do
sentido e do não-sentido da existência humana em seu conjunto.”
...................................................................
Pergunta-se Husserl, “o que tem a dizer essa
ciência sobre a razão e sobre a não-razão, o que tem ela a dizer sobre nós,
homens, enquanto sujeitos dessa liberdade? Obviamente, a mera ciência de fatos
não tem nada a nos dizer a esse respeito: ela, precisamente, abstrai de
qualquer sujeito”.
[*Segundo Danilo Marcondes
e Hilton Japiassú: “Este termo evoca os critérios que nos permitem definir o
que constitui um conhecimento científico de fato e distingui-lo claramente das
outras formas de saber não-científicas. Dois são os critérios mais correntes: o
recurso à dedução racional e o recurso à verificação experimental. Só há
conhecimento científico a partir do momento em que podemos repetir determinado
fenômeno ou prever com certeza o aparecimento desse fenômeno, sob determinadas
condições”. Cf. JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D. Dicionário básico de filosofia. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar,
2006.]
A crítica de Dilthey também direcionada
ao positivismo focaliza a redução do homem à natureza no momento em que a
tradição positivista aplica à dimensão histórica a relação causal-determinista
típica das ciências naturais. E assim pretendeu realizar uma análise da razão
histórica. Em seu pensamento as ciências da natureza* e as ciências do espírito*
se diferenciavam quanto ao seu objeto de investigação. Nas ciências da natureza
temos como objeto fenômenos externos ao homem e nas ciências do espírito, o
mundo das relações entre os indivíduos, sendo o homem o seu próprio objeto.
[*Para Dilthey, as ciências da natureza são aquelas que viam conhecer
causalmente os objetos externos; as ciências do espírito, as que visam
compreender o objeto, que é o homem. Sobre isto cf. ABBAGNANO, Nicola.
Dicionário de filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1982. p. 130.]
Tanto o pensamento de Husserl, quanto o
Dilthey convergem para a problemática do fundamento das ciências do espírito,
ou seja, como estas podem ser delimitadas pelas ciências naturais se seus
objetos diferem, impossibilitando um saber histórico objetivo?
Hans-Georg Gadamer (1900-2002),
considerado um dos maiores pensadores da hermenêutica filosófica, observou, no
horizonte dessa crítica à tradição positivista, que a consciência histórica
caracteriza o homem contemporâneo, porque ele tem plena consciência da
historicidade do presente e da relatividade do saber. Entendeu por esse senso histórico, a possibilidade de
“superar o modo consequente, a ingenuidade natural que nos leva a julgar o
passado pelas medidas supostamente evidentes de nossa vida atual, adotando a
perspectiva de nossas instituições, de nossos valores e verdades adquiridas”
(2003, p. 18).
Ter uma consciência histórica para este
autor significa demonstrar uma posição reflexiva com relação a tudo o que é
ensinado pela tradição, ou seja, interpretar
(2003, p. 19). Interpretar exige um olhar para além do que é imediato, porque a
interpretação é influenciada por ideologias. E neste aspecto acrescenta que as ciências
humanas* nos propõem um problema de cunho filosófico: investigar os fundamentos
para uma independência epistemológica em face das ciências da natureza, porque
reconhecemos “a impossibilidade de submetê-las ao ideal de conhecimento próprio
das ciências da natureza” (2003, p. 20). E mais adiante observa “a necessidade
é compreender o fenômeno histórico na sua singularidade” (2003, p. 23).
[*C. Humanas – Segundo Régis Jolivet as ciências
humanas eram entendidas à época como “aquelas que, elaboradas por via de
métodos positivos, dizem respeito às diferentes atividades, individuais ou coletivas,
do homem enquanto ser inteligente e livre. Estas ciências englobam a
psicologia, a sociologia, o direito, a etnologia, a história etc.” JOLIVET, R. Vocabulário de filosofia. Rio de
Janeiro: Agir, 1975. p. 42.]
De acordo com o exposto até aqui,
podemos afirmar que a história do pensamento humano, em particular a história
da ciência e do conhecimento é marcada por momentos de passagens que denotam
que há uma dinâmica da cultura desvelando o ser humano na sua transcendência,
ou seja, um ser que vive o presente, compreende seu passado pelas aprendizagens
que assimilou, projeta o seu futuro (SEIBT, 2008). Nenhuma análise pode abordar
a produção material e cultural dos homens, sem considerar uma história das ideias
que observa o problema do conhecimento (MORAES, 2008, p. 54).
Referências:
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1982.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria
Helena Pires. Filosofando:
introdução à filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2003.
BRAGA, M.; GUERRA, A.; REIS, J.C. Breve história da ciência moderna, volume
4: a belle-époque da ciência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
HABERMAS, J. Técnica
e ciência como ideologia. Lisboa: Edições 70, 1994.
HOBESBAWM, E. Era do extremos: o breve século XX – 1914-1991. São Paulo: Cia das
Letras, 1995.
JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D. Dicionário básico de filosofia. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.
JOLIVET, R. Vocabulário
de filosofia. Rio de Janeiro: Agir, 1975.
KANT, Immanuel. Sobre a expressão corrente: isto
pode ser correcto na teoria, mas nada vale na prática. In: A paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa: Edições 70, 1990.
LAKATOS, Eva M;
MARCONI, Marina de A. Metodologia
científica. São Paulo: Atlas, 2000.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia. Rio
de Janeiro: Zahar, 1997.
MORAES, Maria Célia M. Notas introdutórias à
epistemologia e à história das ciências. In:
HÜHNE, L. M. Filosofia
e ciência. Rio de Janeiro: Uapê; SEAF, 2008.
REALE, Giovanni. História da filosofia. São Paulo: Paulus, 1990. V. 1.
Nenhum comentário:
Postar um comentário