terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Agir ético, atividade do espírito


Wellington Trotta



Na obra “Ética e sociologia da moral”, Émile Durkheim assevera que “o objeto da ética é acima de tudo estabelecer os princípios gerais dos quais os fatos morais são apenas aplicações particulares” (2003, p. 59), isto é, a Ética se constitui num sistema de princípios que busca, ordenadamente, separar o certo do errado, o bem do mal, o justo do injusto através de explicações racionais sobre os atos humanos. Complementando, embora de matiz teórica diferente, Adolfo Vázquez, no livro “Ética”, pondera que “a ética deve fornecer a compreensão racional de um aspecto real, efetivo, do comportamento dos homens” (1975, p. 12). Teoricamente os dois autores apontam para a compreensão da Ética como racionalização do agir, que por sua vez não se confunde com o mesmo.

Do ponto de vista do quotidiano, a ética é tida como uma atitude moral, ao passo que na perspectiva filosófica Ética é uma teorização sobre esse quotidiano moral. A Ética, desde sua origem, estuda a conduta humana a partir do critério de racionalidade capaz de pensar o agir sem levar em conta prescrições de condutas irrefletidas. Sinteticamente, a Ética é um ramo da Filosofia que estuda os atos justos e injustos, o valor da virtude, em que consiste a felicidade etc.

Filosoficamente, a Ética pode ser tomada por duas perspectivas, a saber: a ética do fim e a ética do móvel. Simplificadamente, esta se define pela análise das regras elaboradas por um agir em si mesmo, em que o prazer está no móvel do certo pelo correto, isto é, a intenção como móvel constante e habitual das ações em que se define como objeto da vontade humana sob regras que a dirigem. Aquela, a ética dos fins, traça o ideal como objeto do agir, a noção do bem como realidade perfeita, definida pelo ideal, uma vez que as regras são derivadas do fim, logo a felicidade é um objetivo cuja conduta social é uma dedução da necessária condição racional humana. A ética do fim pode ser tomada como conhecimento, visando objetivos, ao passo que a ética do móvel é um conhecimento da conduta humana em si. Na ética dos fins as regras são definidas pelo ideal; as regras da ética do móvel são cimentadas pelo agir em si.

A explicação ética dos chamados atos morais relaciona, diretamente, ao fato desses atos serem concretos e definidos, historicamente, como determinação social. Por isso o pensar ético só é possível sobre uma realidade real, histórica. Entretanto, muitos autores enfatizam que a Ética, mais do que uma disciplina filosófica, é, concretamente, uma ciência pela existência de objeto e método específicos, em que se distingue da moral, esta um tratado de condutas desejadas socialmente. Nesse caso, Vázquez afirma que “a ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade [...] Conjunto sistemático de conhecimentos racionais e objetivos a respeito do comportamento humano moral” (1975, p. 12-15). A razão filosófica que, originalmente, é política, pensa o olhar ético como uma perspectiva concreta na mutabilidade dos homens. No entanto, a tentativa de enquadrar a Ética como ciência, um sistema de análise universal, talvez repouse no fim de instruí-la enquanto saber capaz de produzir conhecimentos não particulares, ou seja, para além da cultura.

Contudo, na verdade, a Ética desde Sócrates vem se determinando como análise dos fatos morais longe das dogmatizações do senso comum. Isso porque o agir ético é um pensar do indivíduo quanto às possibilidades da ação junto ao conjunto social. O agir ético é uma dimensão reflexiva, uma realização do pensamento, ao passo que uma ação moral é a efetivação de princípios pensados. Nesse caso, toda moral é histórica por ser produção dos homens dentro de uma temporalidade objetiva em virtude das condições concretas de existência. Uma dada moral perde legitimidade quando suas condições reais não mais existem, e por isso toda moral é tão passageira quanto o senso comum. Este, ao confundir o real com o ilusório, inverte o agir ético, atividade do espírito, ao passo que o agir moral é realização quotidiana do espírito.

Um comentário:

  1. Perfeito, amigo Wellington Trotta! Vc com propriedade observou que sob o ponto de vista da Ética temos um sistema de análise que está dialeticamente relacionado à efetivação de princípios, a ação moral. Obrigada.

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