Clara Maria C. Brum de Oliveira
A essência da relação comunicativa está no movimento dialético existente entre os interlocutores. Mas o que é dialética? Eis um termo antigo e plurívoco! Pensa-se dialética como derivado de diálogo, assumindo na história da Filosofia quatro sentidos clássicos.
Inicialmente, com
Platão, dialética assume o sentido de
método da divisão, ou seja, a técnica
da pesquisa associada que se efetua através da colaboração de duas ou mais
pessoas com o processo socrático do perguntar e responder.
Num segundo
momento, no sentido de lógica do provável, atribuído por Aristóteles, em que é
simplesmente o processo racional não demonstrativo. Provável é o que parece
aceitável, refere-se ao silogismo. O
terceiro, no horizonte da lógica, contribuição dos estoicos que a relacionaram
com o discurso, compreenderam a dialética como a ciência do falar bem, ciência
do discutir no discurso a partir de perguntas e respostas. Por fim, no quarto
sentido, temos a compreensão de dialética como síntese dos opostos, formulado
pelo idealismo de Hegel e apresentado por Fichte na obra Doutrina da Ciência, datada de 1794. Nesta, este pensador alemão
observa o sentido de dialética como a relação entre opostos, o eu e o não-eu (o
outro) e a conciliação que resulta dessa relação, a síntese. Para Hegel a
dialética é a própria natureza do pensamento (ABBAGNANO, 1982, p. 252-255). Diante
de tais observações, parte-se do primeiro e último sentido, identificando esse
movimento na racionalidade comunicativa e, por tanto, presente no sentido de
interatividade entre professor-aluno (o eu e o outro na relação comunicativa). O
conceito de racionalidade comunicativa se configura no pensamento de um
filósofo contemporâneo chamado Jürgen Habermas que percebeu a razão além do
horizonte da relação sujeito-objeto, horizonte da teoria do conhecimento. Este
conceito pode ser útil na construção de competências comunicativas para a
educação. Segundo Siebeneichler (1989, p. 66),
O conceito de razão comunicativa ou racionalidade comunicativa pode,
pois, ser tomado como sinônimo de agir comunicativo, porque ela constitui o
entendimento racional a ser estabelecido entre participantes de um processo de
comunicação que se dá sempre através da linguagem, os quais podem estar
voltados, de modo geral, para a compreensão de fatos do mundo objetivo, de
normas e de instituições sociais ou da própria noção de subjetividade.
No horizonte de uma razão comunicativa, Habermas
ampliou a reflexão sobre o conhecimento inserindo-o numa relação entre sujeitos
capazes de falar e agir mediados pela compreensão. Segundo Pinzani (2009, p. 98,
grifos do autor):
Habermas pretende desenvolver sua teoria da sociedade servindo-se de
um conceito de racionalidade comunicativa que traga à tona o conteúdo normativo
de qualquer comunicação orientada pela compreensão. Tal conceito aponta para
três níveis nos quais processos comunicativos podem acontecer a partir da
perspectiva dos sujeitos envolvidos neles, a saber: a relação do sujeito do conhecimento com o mundo de eventos ou fatos;
a relação do sujeito prático, que age e
está envolvido em interações com outros; e, finalmente, a relação do sujeito com sua própria
natureza, com sua subjetividade e com a subjetividade de outros. Essas três
relações apontam, por sua vez, para um mundo da vida que os participantes da
comunicação têm atrás de si e a partir do qual eles resolvem seus problemas de
compreensão.
O
mundo da vida, segundo Habermas é o lugar transcendental no qual todos se
encontram e é constituído por três elementos: a cultura, a sociedade e a pessoa
humana. A cultura, enquanto responsável pela transmissão de saberes, a
sociedade como o lugar da integração social e o ser humano, o processo de
socialização ou humanização. Nesse caminho, sua teoria de uma razão
comunicativa ou agir comunicativo proporciona à cultura, a possibilidade de
renovação; à sociedade, o sentido de solidariedade; ao ser humano a formação de
sujeitos reflexivos (PINZANI, 2009). Habermas recorre a uma racionalidade
discursiva fundada no sentido de comunicabilidade entre sujeitos, sendo a
linguagem um importante elemento mediador. Pensa-se, portanto numa
racionalidade voltada para o consenso entre sujeitos e que não pode negligenciar
o mundo da vida, ou seja, um horizonte vivo da consciência que reflete.
Trata-se do lugar de nossas existências concretas em que experimentamos a vida
cotidiana como atores sociais (SIEBENEICHLER, 1989).
Podemos,
então, pensar as categorias “ensinar” e “aprender” nesse horizonte dialógico,
ou melhor, comunicativo em que através da linguagem possibilita-se a superação
de uma razão instrumental em direção de uma razão comunicativa, intersubjetiva
e direcionada à possibilidade do acordo racional entre sujeitos. Relação sem variantes
coercitivas internas ou externas, mas baseada na força do melhor argumento
(ARAGÃO, 1992, p. 32-33).
Referências:
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de filosofia. 2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1982.
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