sábado, 24 de março de 2012

A dialética no ensinar e aprender


Clara Maria C. Brum de Oliveira


A essência da relação comunicativa está no movimento dialético existente entre os interlocutores. Mas o que é dialética? Eis um termo antigo e plurívoco! Pensa-se dialética como derivado de diálogo, assumindo na história da Filosofia quatro sentidos clássicos.   
Inicialmente, com Platão, dialética assume o sentido de método da divisão, ou seja, a técnica da pesquisa associada que se efetua através da colaboração de duas ou mais pessoas com o processo socrático do perguntar e responder.
Num segundo momento, no sentido de lógica do provável, atribuído por Aristóteles, em que é simplesmente o processo racional não demonstrativo. Provável é o que parece aceitável, refere-se ao silogismo.  O terceiro, no horizonte da lógica, contribuição dos estoicos que a relacionaram com o discurso, compreenderam a dialética como a ciência do falar bem, ciência do discutir no discurso a partir de perguntas e respostas. Por fim, no quarto sentido, temos a compreensão de dialética como síntese dos opostos, formulado pelo idealismo de Hegel e apresentado por Fichte na obra Doutrina da Ciência, datada de 1794. Nesta, este pensador alemão observa o sentido de dialética como a relação entre opostos, o eu e o não-eu (o outro) e a conciliação que resulta dessa relação, a síntese. Para Hegel a dialética é a própria natureza do pensamento (ABBAGNANO, 1982, p. 252-255). Diante de tais observações, parte-se do primeiro e último sentido, identificando esse movimento na racionalidade comunicativa e, por tanto, presente no sentido de interatividade entre professor-aluno (o eu e o outro na relação comunicativa). O conceito de racionalidade comunicativa se configura no pensamento de um filósofo contemporâneo chamado Jürgen Habermas que percebeu a razão além do horizonte da relação sujeito-objeto, horizonte da teoria do conhecimento. Este conceito pode ser útil na construção de competências comunicativas para a educação. Segundo Siebeneichler (1989, p. 66),
O conceito de razão comunicativa ou racionalidade comunicativa pode, pois, ser tomado como sinônimo de agir comunicativo, porque ela constitui o entendimento racional a ser estabelecido entre participantes de um processo de comunicação que se dá sempre através da linguagem, os quais podem estar voltados, de modo geral, para a compreensão de fatos do mundo objetivo, de normas e de instituições sociais ou da própria noção de subjetividade.
No horizonte de uma razão comunicativa, Habermas ampliou a reflexão sobre o conhecimento inserindo-o numa relação entre sujeitos capazes de falar e agir mediados pela compreensão. Segundo Pinzani (2009, p. 98, grifos do autor):
Habermas pretende desenvolver sua teoria da sociedade servindo-se de um conceito de racionalidade comunicativa que traga à tona o conteúdo normativo de qualquer comunicação orientada pela compreensão. Tal conceito aponta para três níveis nos quais processos comunicativos podem acontecer a partir da perspectiva dos sujeitos envolvidos neles, a saber: a relação do sujeito do conhecimento com o mundo de eventos ou fatos; a relação do sujeito prático, que age e está envolvido em interações com outros; e, finalmente, a relação do sujeito com sua própria natureza, com sua subjetividade e com a subjetividade de outros. Essas três relações apontam, por sua vez, para um mundo da vida que os participantes da comunicação têm atrás de si e a partir do qual eles resolvem seus problemas de compreensão.
O mundo da vida, segundo Habermas é o lugar transcendental no qual todos se encontram e é constituído por três elementos: a cultura, a sociedade e a pessoa humana. A cultura, enquanto responsável pela transmissão de saberes, a sociedade como o lugar da integração social e o ser humano, o processo de socialização ou humanização. Nesse caminho, sua teoria de uma razão comunicativa ou agir comunicativo proporciona à cultura, a possibilidade de renovação; à sociedade, o sentido de solidariedade; ao ser humano a formação de sujeitos reflexivos (PINZANI, 2009). Habermas recorre a uma racionalidade discursiva fundada no sentido de comunicabilidade entre sujeitos, sendo a linguagem um importante elemento mediador. Pensa-se, portanto numa racionalidade voltada para o consenso entre sujeitos e que não pode negligenciar o mundo da vida, ou seja, um horizonte vivo da consciência que reflete. Trata-se do lugar de nossas existências concretas em que experimentamos a vida cotidiana como atores sociais (SIEBENEICHLER, 1989).
Podemos, então, pensar as categorias “ensinar” e “aprender” nesse horizonte dialógico, ou melhor, comunicativo em que através da linguagem possibilita-se a superação de uma razão instrumental em direção de uma razão comunicativa, intersubjetiva e direcionada à possibilidade do acordo racional entre sujeitos. Relação sem variantes coercitivas internas ou externas, mas baseada na força do melhor argumento (ARAGÃO, 1992, p. 32-33).
Referências:
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1982.
ARAGÃO, L. M. de C. Razão comunicativa e teoria social crítica em Jürgen Habermas. Rio de Janeiro: tempo Brasileiro, 1992.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2003.
ALVES, H. C. O professor reflexivo, sua formação e sua práxis pedagógica. In: I congresso internacional de Educação e Comunicação. Anais. Foz do Iguaçu/PR: UDC, nov. 2009. P. 52-61. Disponível em: <http://www.udc.edu.br/CongressoEduCom.pdf>. Acesso em: 24  abr 2011.
BOLZAN, J. Racionalidade comunicativa e educação: um estudo sobre o pensamento de Jürgen Habermas enfatizando a formação da competência interativa como aprendizado da razão comunicacional. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2002. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Educação, Porto Alegre, 2002. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/2539/000321574.pdf?sequence=1> . Acesso em: 7 maio 2011.
FALABELO, Raimundo N. de O. Narrativa, experiência, sabedoria e educação. In:  KUIAVA, Evaldo A.;  SANGALLI,  Idalgo J.; CARBONARA, Vanderlei (Org.). Filosofia, formação docente e cidadania. Ijuí - RS: UNIJUÍ, 2008. p. 59-68.
PINZANI, A. Habermas. Porto Alegre: Artmed, 2009.
RESENDE, Maria do Rosário Silva. Educação com base em uma formação para a emancipação: uma reflexão. In: Inter-Ação: Rev. Fac. Educ. UFG, 28 (1): 37-49, jan./jun. 2003. Disponível em: <http://www.revistas.ufg.br/index.php/interacao/article/viewFile/1439/1442>. Acesso em: 23 abr 2011.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico.  São Paulo: Cortez, 2004.
SIEBENEICHLER, F. B. Jürgen Habermas: razão comunicativa e emancipação. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.
SOUZA, Karina Silva M. de. O sujeito da educação superior: subjetividade e cultura. In: Psicologia em Estudo, Maringá, v. 14, n. 1, p. 129-135, jan./mar. 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pe/v14n1/a16v14n1.pdf. Acesso em:  30 abr. 2011.



sábado, 10 de março de 2012

A importância do conhecimento




Clara Maria C. Brum de Oliveira


Há mais de vinte séculos atrás, Platão (428-347 a.C.) afirmou que o saber não teria utilidade se não pudesse ser usado em proveito do próprio homem. No mesmo sentido, Aristóteles (384-322 a.C.) cuja influência foi uma das mais decisivas para a história das ciências, também apresentou certa angústia em relação ao pensar adequado, o pensar livre. Mas a despeito das teorias dos filósofos e das descobertas dos cientistas, quando olhamos ao redor percebemos que muitas vezes  negligenciamos nossa capacidade de conhecer.

Se pensar é o oposto a servir, não se trata aqui de um pensamento qualquer, mas de um pensar adequado, próprio da nossa condição de sujeitos pensantes, de nossa faculdade capaz de compreender o mundo. Inteligência que advém de intus legere que significa “ler dentro” e nos remete ao termo inteligível. Assim, nos ajuda a justificar o mundo exterior através de valores que provêm do interior (intus legere).

A tradição filosófica ao olhar para o próprio ser humano, compreendeu a inteligência, enquanto faculdade que se desvela em três operações fundamentais que realizamos, a saber: a apreensão que tem como objetivo “definir”, o juízo cujo objeto é proferir ideias verdadeiras ou falsas e o raciocínio que tem como função estabelecer proposições ou juízos.

É justamente através da inteligência ou espírito que podemos extrair da realidade material, corpórea, o conhecimento. Vejamos um exemplo. Se você fechar seus olhos e pensar em alguém, você estará extraindo do mundo dos fenômenos, da aparência, a essência desse ser pensado, transportando-o para o “mundo da abstração”. Esse “mundo da abstração” é o lugar da criação de conceitos, termo derivado da palavra concepção que por sua vez significa conceber.

É interessante notar que não estamos falando de algo fora de nosso horizonte, mas do nosso modo de ser e agir. Normalmente, procuramos definir todas as coisas que nossos olhos alcançam e nos sentimos confortáveis em um mundo conhecido - ordenado. Todavia, quando somos surpreendidos pelo novo, a curiosidade ou pelo medo, procuramos novas definições. E não é raro que as pessoas comuns busquem conhecer, decifrar, dar sentido a tudo o que existe no mundo da vida. Gostamos de conhecer todas as coisas que nos rodeiam. Por isso, podemos afirmar que o mundo da vida, lugar de nossa existência concreta, é um inesgotável fornecedor de sentidos e nos acostumamos a isso.

Você saberia dizer o que é Pesquisa?



Clara Maria C. Brum de Oliveira


Segundo Pedro Demo (2009) pesquisar coincide com criação e emancipação.  Através da pesquisa se estabelece um verdadeiro diálogo com a realidade nos permitindo construir uma consciência crítica, um espírito crítico. Por isso, não se trata de copiar o que já foi dito, mas reconstruir oferecendo novas possibilidades.

O processo da pesquisa não está reservado a poucos, mas integra o caminho de todo o estudante universitário. Para tanto, é preciso conhecer a trajetória acadêmica, ter o domínio das técnicas, o manejo dos dados e o conhecimentos das regras de formatação – as regras do jogo.

Pesquisar é pensar, refletir, ler, discutir, perguntar, criticar, descobrir, enfim, é buscar uma visão, uma explicação, uma ideia, uma solução para as perguntas e problemas que nos movimentam e interessam; é construir, formar e organizar um pensamento (próprio ou não); é alcançar um resultado que apazigúe ou que confirme a inquietude inicial. Saber pesquisar é uma maneira para enfrentar qualquer desafio novo, e a vida dos profissionais é uma constante renovação destes desafios (MARQUES, 2003).

A pesquisa pressupõe o conhecimento dos conteúdos mais importantes, a atualização nas polêmicas teóricas, a precisão no uso dos conceitos e a criatividade na interpretação.

Como afirma Pedro Demo (2009), quem não pesquisa apenas reproduz ou apenas escuta. Ou aproveitando uma ideia do senso comum: o que os olhos não vêem [ leia-se lêem], o coração não sente!

Referências:

DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. 13. ed. São Paulo:Cortez, 2009. 

MARQUES, Cláudia de Lima. Pesquisa de Iniciação Científica: da inquietude ao sucesso! Palavra do orientador. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/propesq/informativo/ic04/orientador.htm>. Acesso em: 14 mar. 2003.

O que é Filosofia?



Clara Maria C. Brum de Oliveira

Há muitas respostas à pergunta “O que é filosofia?” A Filosofia pode ser vista como a produção intelectual de filósofos de formação, pode ser uma maneira de ler, pensar e se comportar diante da vida, pode ser a busca pela verdade. Podemos dizer que a filosofia tem muito a nos ensinar sobre o ser, sobre o conhecimento, pensamento e razão. Porque tem a ousadia de  colocar em risco o que para o senso comum é seguro. E, assim, acontece nas mentes daqueles que se engajam na sua trajetória. A filosofia tem muitos papéis, porque não é uma análise distante, separada da sociedade. Ao contrário, filósofos integram a cultura e suas ideias representam as angústias de cada época.

Mas a filosofia vale a pena? Qual a dificuldade da filosofia numa sociedade da tecnologia e da informação? O que a estimula?  Muitos podem dizer que é melhor deixar o fluxo normal da vida, sem ficar pensando nisso, porque não desejam se enredar na complexidade da motivação humana. São contraditórios. Por quê? Porque no momento em que nossas maneiras de ser e agir entram em conflito, quando a ciência nos oferece novos caminhos, a política nos assombra, a física destrói nossos paradigmas, um fluxo incessante de ideias invade nossas mentes e a reflexão, de maneira inevitável, encontra seu lugar. Precisamos de um conjunto de reflexões sobre quem somos e o que estamos fazendo, para, com isso, justificarmos nossas escolhas e compreendermos suas consequências.

Não importa, podemos ler Platão, Aristóteles, Epicuro, Hobbes, Rousseau, Kant, Hegel e Marx, nossa investigação não terá limites e basta uma pequena e singela mudança no mundo da vida para provocar uma nova reflexão. Não há palavra final em filosofia, o seu valor está no procedimento que estimula e não no resultado que eventualmente alcança.

A filosofia é um modo de pensar que investiga problemas historicamente construídos, ou seja, cada geração investiga seus próprios caminhos, problematiza a vida, desenvolve seu estilo e escolhe um método de abordagem que considera adequado ao objeto. Então, podemos filosofar de lugares diferentes, mas qual o lugar da filosofia? Não pensamos muito sobre isso. Ela requer condições específicas? É típica da vida urbana (polis)? O fato é que é a base teórica de todas as outras esferas de saber, porque promoveu, antes de todo mundo, uma análise abstrata e conceitual sobre o ser humano, a vida e a sociedade, propondo questões, apontando erros de julgamento, destacando a futilidade de certas concepções e desejos. 

Assim, o mais importante é mostrar que para a filosofia o conhecimento é construído  intersubjetivamente. Ela desvela que vivemos e nos relacionamos pela fala, leitura (que é uma conversação silenciosa) e escrita e essa é a nossa maneira de construir o conhecimento. Portanto, a filosofia tem um papel importante nessa construção, porque nutre as diversas áreas de saber com um pensamento sofisticado, com rigor lógico e conceitual. Acrescente-se que o saber também precisa da escuta. É preciso saber escutar, mas não de maneira passiva e sim crítica. A filosofia é essencialmente crítica.

Todos os autores em filosofia observam que termo “Filosofia” é constituído por duas palavras gregas philos e sophia e, acrescentam que o filósofo não é aquele que acredita que adquire o saber como uma aquisição contínua, mas o que busca a sabedoria, por meio de um espírito indagador. Estamos falando de uma filosofia stricto sensu, ou seja, um conhecimento específico, diferente das outras áreas de saber e que não se confunde com o senso comum, o mito,  ou  visão religiosa.  

Atribui-se a Pitágoras a criação da palavra Filosofia que significa etimologicamente amor ou amizade à sabedoria. Todavia, não se sabe o que este pensador quis dizer exatamente, mas que de um modo geral, os gregos entendiam a filosofia como um conjunto das ciências naturais e humanas que investigava a estrutura e as leis do universo. A finalidade dos filósofos era buscar a verdade, ou seja, explicar todo o universo, precursores do que se entende hoje por ciência.[1]  Conforme ensina Severo Hryniewicz, a filosofia é “uma proposta de meditação e leitura crítica da realidade. Uma tentativa de obtenção de um conhecimento global e totalizante do homem no mundo, dentro de uma fundamentação racional”.[2]

Com esse entendimento podemos afirmar que a filosofia possui três características fundamentais, o que não afasta a possibilidade de outros pensadores apontarem outras. A filosofia é radical, porque tem interesse em investigar os fundamentos que estão presentes no objeto que está sendo investigado. Ao buscar os fundamentos, a filosofia vai às origens, procura explicar a partir de conceitos, os fenômenos que investiga. Busca significados, justificativas. A filosofia é rigorosa e, esta segunda característica é muito interessante porque nos permite relacionar a filosofia com a ciência. Filosofia e ciência são saberes diferentes, esta trabalha com a experimentação, aquela com o pensamento abstrato, mas buscam o rigor do método para proceder às investigações. A filosofia nos oferece um método de análise conceitual que exige clareza e distinção, nos termos cartesianos.  A filosofia é um saber de conjunto ou totalizante porque em sua investigação não fragmenta o objeto a um único aspecto, é interdisciplinar. [3]
Como um tipo de conhecimento, é um saber que é fim em si mesmo e não precisa de outra fonte de justificação. E, neste ponto, podemos verificar a sua utilidade.  



[1] MUÑOZ, Alberto Alonso. O nascimento da filosofia. In: MACEDO Jr. (Org.). Curso de Filosofia Política. São Paulo: Atlas, 2008. p. 56.
[2] Hryniewicz,  Severo. Para filosofar hoje. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 19. 
[3] ARANHA, M. l. A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 3. ed., São Paulo: Moderna, 2003. p. 90.