Clara Maria C. Brum de Oliveira
“Não entre quem não for geômetra”
(PLATÃO apud
REALE, 1990, p. 286)
Se pensarmos no advento da
metalurgia, tecelagem, cerâmica, agricultura e a escrita, por volta do ano 3000
a.C., percebemos que o desenvolvimento da técnica resultou da observação. Sem
mencionar o conhecimento da astronomia e matemática desenvolvido pelos
babilônicos. É neste ponto que podemos dizer que os gregos apresentaram uma
postura muito específica: não viveram mergulhados na técnica ou prática, mas na
teoria.
Os primeiros filósofos discutiram
as ideias produzindo diferentes explicações para os fenômenos naturais, sem
recorrer às explicações mitológicas (LLOYD, 1970, p. 10-15). Sem dúvida, os
primeiros filósofos-cientistas, foram os pré-socráticos. Eles se preocuparam
com a origem da vida e com o movimento da natureza.
Apesar de o conhecimento
matemático nos levar à tradição fenícia e egípcia, os gregos transformaram a
sabedoria prática de tais povos em conhecimento científico. Assim apresentaram
a matemática como ciência, operando com números, figuras, relações e proporção.
Tais conhecimentos se tornaram atividades típicas do pensamento abstrato, ou
seja, puramente intelectuais. Nesse novo modo de proceder alcançava-se o conhecimento
verdadeiro e universal, atribuindo à matemática o status de saber
extraordinário. Foi por essa razão que Platão colocou a matemática como um
pressuposto ao pensamento filosófico.
Encontramos em seu pensamento a primeira formulação clássica
da Filosofia, ou seja, o conhecimento como objeto de investigação. Nesse
sentido, apresentou uma preocupação direta sobre o método, indagando se
é realmente possível o conhecimento. Este pensador adotou o método explicativo da
matemática e apresentou o mundo material como cópia do mundo das idéias, ou
seja, o mundo do pensamento.
Este mundo do pensamento que
chamou de mundo inteligível foi concebido como o mundo original, o lugar do
conhecimento verdadeiro. Já o mundo material ou sensível, o nosso mundo fenomênico,
era visto como o lugar das coisas perecíveis, mutáveis e, portanto imperfeitas.
O fato é que Platão considerou a
matemática como um prelúdio à filosofia (ARANHA; MARTINS, 2002, p. 136-137).
Desde Pitágoras até Platão o pensamento filosófico priorizou a razão como o
caminho para o conhecimento verdadeiro, a episteme. Assim, podemos
destacar que este pensador valorizou a atividade intelectual enquanto
contemplação desvinculada da experiência cotidiana.
Apesar da genialidade de Platão,
Aristóteles (384-322) foi considerado o sistematizador do pensamento
ocidental, tendo contribuído no campo das Ciências Naturais, História da
Filosofia, da Psicologia, das leis da argumentação e da Lógica.
Bem
diferente de seu mestre, acreditou ser possível conhecer o mundo a partir da
experiência sensível, bastando aplicar a razão aos dados alcançados através da
observação. Desta forma, Aristóteles elaborou a tese segundo a qual o
conhecimento começa pelo dado sensível, mas precisa do pensamento que promove
uma abstração. Termo que em filosofia significa colocar o objeto de estudo
separado mentalmente, para uma análise cuidadosa.
É
bom esclarecer que não encontramos neste pensador a experimentação, mas a observação.
Há algumas justificativas para isso e uma delas decorre do fato de estarmos
diante de uma cultura que desprezava as técnicas manuais, estamos numa cultura
cujo paradigma é método da contemplação. Ele estava interessado em
saber os fundamentos ou as causas e não a descrição dos fenômenos.
Na
compreensão de Aristóteles, a física é a ciência que trata do ser em movimento
cujos pressupostos estão na relação ato-potência e na teoria das quatro causas.
Nesse sentido, todos os seres ocupam um lugar natural conforme sua essência.
Como estudioso do pensamento pré-socrático, partiu da teoria de Empédocles que
estabeleceu como matéria-prima originária em todos os seres os quatro
elementos, ou seja, a água, a terra, o fogo e o ar. Interessante é que esta
teoria pré-socrática retomada por Aristóteles permaneceu até o séc. XVIII,
quando foi substituída pela teoria das substâncias compostas de Antoine-Laurent de Lavoisier (1743-1794), cientista francês, considerado o criador da
Química Moderna (autor da célebre frase: "Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se
transforma").
Na
teoria aristotélica do movimento dos corpos, os seres são influenciados pelo
peso ou leveza e, por conseguinte, os corpos pesados ficam naturalmente embaixo
e os leves têm como lugar natural a parte de cima. Com base em tal concepção,
Aristóteles afirmou que a pedra, porque é pesada, cai; o fogo sobre porque é
leve, sobe. Tudo bem, mas como explicar o movimento de uma pedra arremessada
para cima ou da flecha pelo arco? Aristóteles chamou tais movimentos de movimento
violento, ou seja, há um motor que provoca esse movimento e que não é natural. Tese refutada por Galileu
Galilei, no séc. XVI.
*Na astronomia, Aristóteles fundamentou
suas idéias a partir do pensamento de um dos discípulos de Platão que havia
pensado no modelo geocêntrico, segundo o qual a Terra ocupava o centro do
Universo. Esse modelo também foi conhecido como o modelo das esferas
homocêntricas. Sabe-se que um pensador da cidade de Samos chamado Aristarco
(310-230 a.C.) chegou a formular a tese heliocêntrica, sem qualquer sucesso já
que os gregos eram adeptos do geocentrismo.
No
modelo astronômico, Aristóteles estabeleceu uma hierarquia dividindo o universo
em mundo sublunar e supralunar. O mundo sublunar
compreende a Terra como um corpo imóvel, lugar natural de seres móveis, perecíveis,
em movimento retilíneo para baixo e para cima. O mundo supralunar é
constituído pela Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter, Saturno e as
estrelas fixas. São corpos que segundo o filósofo são constituídos pela
quinta-essência e não pelos quatro elementos (fogo, água, terra e ar). São
corpos perfeitos e realizam o movimento circular que para a tradição grega
seria o movimento que expressa perfeição (ARANHA; MARTINS, 2002, p. 138-139).
Ao observar o céu, Aristóteles percebeu que tudo permanecia
em sua perfeição, sem mudança, a despeito do movimento dos astros. Havia uma
harmonia perceptível a olho nu. A Terra ocupava um lugar de destaque, mas
permanecia imóvel. Assim, realmente acreditava na imobilidade da Terra e para
prová-la afirmava que bastaria um observador lançar um objeto para cima que o
mesmo retornaria ao lugar de origem. Ora, se a Terra se movesse, tal objeto
cairia em outro lugar, pois no momento em que estivesse no ar, a Terra se
deslocaria.
O universo aristotélico era finito, esférico e organizado da
seguinte maneira: a Terra no centro, era constituída pelos 4 elementos (água,
fogo, terra e ar), seguida da Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter e
Saturno. Os corpos celestes seriam constituídos por uma quinta-essência: o
éter, concebido como um elemento
puro, transparente e sem peso, que contrastava com os quatro elementos
constituintes da Terra, sujeitos a mudanças e que, portanto perecíveis. Esse
era o sistema do mundo concebido por Aristóteles, constituído por 11 esferas
concêntricas em movimentos circulares perpétuos.
Essa
tese astronômica demonstra que concepção geocêntrica era o paradigma da cultura
grega. A única tentativa de uma teoria heliocêntrica aconteceu por volta do
séc. III a. C., como Aristarco de Samos. Este pensador grego supôs as estrelas
fixas e imutáveis, mas a Terra girando em torno do Sol em movimento
circular. Assim, concebeu o Sol como
centro em um cosmo infinito. Todavia, por volta do ano 150 a.C., matemáticos
gregos bloquearam sua tese e ressaltaram o sistema geocêntrico.
É
interessante que a astronomia aristotélica pode nos parecer risível, mas foi
totalmente incorporada por Cláudio Ptolomeu (83-161 d.C.) e figura na obra
deste cientista grego, “O grande
tratado[1]”
(Almagesto) como sistema do
mundo. O fato é que esta teoria perdurou como verdade incontestável
durante o mundo antigo, toda a Idade Média, encontrando óbice no pensamento de
Nicolau Copérnico e mais tarde com Galileu Galilei.
No final do mundo antigo, o
império alexandrino produziu mudanças significativas que assinalaram o fim da
época clássica e o início de uma nova era – a fase helenística. Nesta
fase, o domínio macedônico sobre a as cidades gregas impulsionou o surgimento
de novas filosofias que teorizaram uma realidade diferente.
Os gregos até Aristóteles
acreditavam que os povos orientais eram
verdadeiros bárbaros, mas o ambicioso projeto político de Alexandre
Magno modificou esse olhar. Nesta ocasião Atenas ainda se mantinha como o
centro filosófico do mundo conhecido, mas gradualmente as cidades como Pérgamo,
Rodes e Alexandria se destacaram num novo cenário: o cenário da cultura
científica.
A cidade de Alexandria construída por Alexandre junto à foz
do Nilo se tornou a capital cultural do mundo helenístico. Com terra fértil
para o cultivo, localização privilegiada para o comércio, atraiu povos de variadas
culturas, bem como muitos intelectuais gregos.
Nesta famosa cidade, encontramos o “Museu”, instituição sagrada dedicada
às Musas, protetoras das atividades intelectuais com um acervo para estudiosos
interessados em pesquisas médicas, biológicas e astronômicas. Ao lado, como um
anexo, a “Biblioteca”, contendo inicialmente quinhentos mil livros.
Nessa atmosfera espiritual, a matemática ocupava lugar de
destaque e, nesta matéria, Euclides de Alexandria (360-295 a.C.) foi
considerado um dos maiores matemáticos do mundo antigo. Criador da famosa
geometria euclidiana que perdurou por muitos séculos. Sabe-se que recebeu
influências de Pitágoras e de Platão e escreveu uma obra chamada Elementos,
em 13 volumes, versando sobre geometria plana, figuras poligonais, círculos,
proporção e teoria dos números. Sua obra se manteve viva até o séc. XIX.
Além de Euclides, Apolônio de Perga que viveu no séc. III
a.C., também foi considerado um dos maiores matemáticos gregos depois de
Euclides e de Arquimedes. Apolônio estudou a matemática e expôs os três tipos
cônicos: a elipse, a parábola e a hipérbole. Se este pensador tivesse aplicado
sua descoberta à astronomia, não teria dado a Kepler, muitos séculos depois, o
mérito de revolucionar as teorias das órbitas planetárias (REALE, 1990, 288).
Arquimedes (287 – 212 a.C.) foi considerado o mais genial
dos cientistas gregos, viveu e usou suas
invenções para proteger a cidade de Siracusa. Escreveu inúmeras obras e
inventou máquinas engenhosas que defenderam por longo tempo a sua cidade do
ataque das tropas romanas. Dizem que Cícero ao encontrar seu túmulo, mandou
restaurá-lo como prova de grande veneração (REALE, 1990, 288).
Arquimedes lançou as bases da hidrostática que resultou no
princípio que leva o seu nome, o princípio de Arquimedes, segundo o qual “as grandezas mais pesadas do
que o líquido, abandonas no líquido, são transportadas para baixo, até o fundo,
e serão tanto mais leves no líquido quanto é o peso do líquido que tem tal
volume quanto o volume da grandeza sólida” (REALE, 1990, 289).
Em mecânica criou o princípio da alavanca. Arquimedes pensou numa reta em forma
de haste, apoiando-se sobre um ponto de apoio, com dois pesos iguais nos
extremos e em distâncias iguais do centro, em equilíbrio. Se as distâncias
forem desiguais, haverá uma inclinação para um dos lados. Com essa experiência
chegou à lei segundo a qual duas grandezas estão em equilíbrio a distâncias que
estejam em recíproca proporção às suas próprias grandezas.
A tradição relata que Arquimedes teria
dito a seguinte frase: “ Dá-me um ponto de apoio e te erguerei a Terra!”
enquanto utilizava o sistema de
alavancas para descer ao mar uma grande embarcação (REALE, 1990, 291). Pesquisadores atribuem a Arquimedes muitas invenções
interessantes que vão desde catapultas até várias combinações de roldanas. Mas
o episódio mais interessante sobre a vida de Arquimedes é o que menciona em que
contexto o matemático teria gritado “Eureka!” que em grego significa “Descobri!”
Vejamos
Hiéron, rei de Siracusa, quis oferecer uma coroa de ouro no
templo. Mas o ourives subtraiu uma parte do ouro, substituindo-o por prata, que
combinou com a restante parte de ouro na liga. Aparentemente, a coroa ficou
perfeita. Mas, surgindo a suspeita do roubo e, como Hiéron não podia dar corpo
à suspeita, pediu a Arquimedes que lhe resolvesse o caso, refletindo sobre o
que estava ocorrendo. Arquimedes começou a pensar intensamente na questão. E,
num momento em que se preparava para tomar banho, observou que, ao entrar na
banheira (que, naquela época era uma tina), saía água na mesma proporção do
volume do corpo que entrava. Assim, de repente, intuiu o sistema com o qual
poderia determinar a pureza ou não do ouro da coroa. (Arquimedes prepararia
dois blocos, um de ouro e um de prata, cada qual de peso igual ao da coroa;
imergi-los-ia na água, medindo o volume de água deslocado por cada um deles e a
relativa diferença; depois, verificaria se a coroa deslocaria um volume de água
igual ao deslocado pelo bloco de ouro; se não acontecesse isso, significaria
que o ouro da cora havia sido alterado.) No entusiasmo da descoberta,
precipitou-se para fora da tina e correu para a casa, nu como estava, gritando
“descobri, descobri”, que em grego se diz “eureka”, exclamação que se tornou
proverbial, estando em uso até hoje. (REALE,
1990, 292).
Os gregos buscaram respostas racionais para os
problemas da vida e descobriram no conhecimento matemático uma fonte
inesgotável de saber. Desde os pré-socráticos, a matemática manteve-se como um
saber teórico. Sabe-se que somente com Pitágoras é que foi introduzido no
ensino destinado à formação de filósofos, mas restrito a um grupo seleto. Bem mais tarde, o ensino da matemática
(aritmética, geometria, música e astronomia) foi reintroduzido na educação do
jovem grego com os sofistas, em especial, Hípias de Elis (460-399 a.C.).
O desenvolvimento do pensamento científico, na
fase helenística, nos direciona à seguinte idéia: o encontro de culturas na
região e o espírito de liberdade que os pensadores gregos experimentaram, em
solo egípcio, sob a proteção de Ptolomeu, foram fundamentais para o
desenvolvimento de uma nova postura, voltada para a técnica sem, no entanto,
sair do paradigma ou modelo do saber teórico.
A ciência de Alexandria estava distante dos
dogmas filosóficos e preconceitos de uma cultura que colocara o escravo no
lugar da máquina, razão pela qual o Senhor podia evitar esforços ou questões
práticas do cotidiano das poleis
(cidades-estados gregas, plural de polis) gregas. O senhor poderia
dedicar-se à atividade da razão, sem se preocupar com o mundo da vida.
Os precursores
da ciência moderna: o humanismo renascentista e a superação do paradigma
teocêntrico
A
expressão “Magister dixit...” (o mestre disse...), nos permite
compreender um pouco da postura intelectual predominante durante o período
denominado Idade Média. Fase que antecede o movimento renascentista em que
percebemos a importância conferida ao princípio
da autoridade em detrimento da reflexão livre e da investigação da
natureza.
Muitos
estudiosos caracterizaram os densos séculos da Idade Média como uma época rude,
marcada pela fome, pelo desaparecimento da vida intelectual, assolada pela
violência, em que a Igreja ocupara o lugar da Roma Imperial (MANCHESTER, 2004,
p. 27).
Acredita-se
que por volta do séc. XIII durante o pontificado de Inocêncio III (1198-1216)
reapareceram escritos aristotélicos até aquela data desconhecidos. Na verdade,
a herança cultural da Grécia começava a reaparecer, reacendendo problemas e
oportunizando novos caminhos. O movimento ficou conhecido pelo nome italiano Rinascimento, cuja data inicial não é
precisa, mas acreditamos que
caracterizou o início do séc. XV e o séc. XVI.
O que encontramos nessa fase?
Até
este momento, durante os 1436 anos que marcaram a Idade Média, com seus 211
Papas, a Igreja era indivisível, a vida a pós a morte era concebida como
certeza absoluta e acreditava-se que tudo já era conhecido. O mundo se resumia
ao cosmo descrito por Cláudio Ptolomeu: a Terra o centro, na verdade a Europa,
tendo ao seu lado a Terra Santa e o norte da África. Há relatos que os
cartógrafos medievais, quando chegavam aos limites geográficos conhecidos,
escreviam em seus mapas: “Cuidado:
Dragões à espreita além deste ponto” (MANCHESTER, 2004, p. 57).
Não
perderemos tempo aqui em descrever a Idade Média, mas observar que o movimento
renascentista que se configura no interior da mentalidade medieval não pode ser
visto apenas como um movimento filosófico, mas foi essencialmente uma mudança
na vida em todos os seus aspectos: sociais, políticos, morais, religiosos e
literários. Sabemos que tudo começou com nossos navegadores que se afastaram do
mundo conhecido e provocaram o desenvolvimento de novas técnicas para dar conta
do novo empreendimento marítimo.
Nesse
caminho, autores gregos e latinos ocuparam espaços, marcando início de uma nova
época, uma nova leitura de antigos textos, exigindo dos estudiosos que
deixassem de lado as traduções medievais e buscassem comentadores gregos, além
de outros pensadores até então desconhecidos. Talvez a essência desta fase
esteja no modo como revigoraram o passado na tentativa de compreender o
presente.
Mas
o termo Renascimento apareceu na obra
de Jacob Burckhardt[2]
(REALE, 1990, p. 24-25), publicada em 1860, no sentido de movimento de
exaltação da vida mundana e liberdade de pensamento oposta à mentalidade
medieval. Um espírito que rompendo com o pensamento medieval inaugura uma nova
visão de mundo. Por conseguinte, do ponto de vista da história do pensamento, o
Renascimento é visto como as raízes do mundo moderno cujo marco inicial está na
revolução científica operada por Galileu Galilei (1564-1642).
A Revolução Científica
O
período denominado como da “revolução científica” marcou uma fase que se
estende desde a publicação da obra Da
Revolução de Esferas Celestes (De
revolutionibus orbium celestium)
de Nicolau Copérnico, em 1543, até a publicação da obra Princípios Matemáticos da Filosofia Natural (Philosophiae naturalis principia mathematica) de Isaac Newton, em
1687. Mas o que significou essa revolução? Na verdade foi uma revolução
astronômica, uma mudança na imagem do mundo que teve como expoentes: Copérnico,
Tycho Brahe, Johannes Kepler, Galileu Galilei e Isaac Newton. Uma mudança
gradual sobre o homem, sobre a ciência, sobre o trabalho científico e
principalmente sobre a relação entre o saber científico e religioso.
Nesta
nova fase cai por terra a cosmologia aristotélico-ptolomaica, pois Copérnico
colocou o Sol no centro do mundo; Tycho Brahe desenvolveu a idéia de órbita;
Kepler apresentou o movimento elíptico dos planetas; Galileu afirmou que a Lua
é da mesma natureza que a Terra, inventou o telescópio e investigou o céu,
separando com isso a ciência antiga dos novos tempos. Newton desenvolveu sua
teoria gravitacional.
Nicolau Copérnico
Nicolau
Copérnico (1473 - 1543) foi um pensador polonês, viveu numa época em que a
astronomia de Aristóteles e o sistema de Cláudio Ptolomeu vigoravam. Tais sistemas
compreendiam a Terra como central, imóvel, o movimento circular como perfeito e
a finitude do universo. Tais idéias
estavam adequadas à tese de um universo criado em função do homem.
Mas
atormentado com o problema do movimento releu várias vezes as obras dos filósofos antigos na tentativa de encontrar uma resposta. Ao reler Cícero
observou que este pensador romano mencionara a opinião de um pensador antigo do
séc. V. a.C. chamado Iceta de Siracusa, segundo o qual a Terra estaria em
movimento. Continuando em suas pesquisas descobre ainda que os pitagóricos
Filolau e Ecfanto, bem como Heraclides de Ponto, que acreditavam que a Terra
girava. Encorajado nesta tese supostamente absurda afirmou que tudo estava em
movimento. Em síntese, Copérnico
defendeu as seguintes teses: 1. A Terra é esférica; 2. A Terra se move em um círculo orbital em
torno do seu centro, girando também sobre o seu eixo; 3. A Terra não era o
centro do mundo, mas o Sol (REALE, 1990, p. 226-227). Com tais idéias Copérnico
conseguiu se tornar o ponto de partida para pensadores posteriores, o ponto de
partida para uma nova astronomia.
Sua
obra foi inicialmente considerada por teólogos influentes como
instrumentalista, ou seja, suas descrições seriam tomadas apenas como
instrumentos úteis para efetuar previsões e dar explicações sobre os corpos
celestes. Na verdade o próprio Copérnico a considerava uma teoria realista,
porque entendia que esse era o compromisso do filósofo: buscar a verdade.
Tycho Brahe
O
dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601), depois de Copérnico, foi um virtuoso da
observação astronômica. Ocupou lugar de destaque, sendo sucedido após sua morte
por seu jovem assistente Johannes Kepler. Através de suas acuradas observações,
ressalte-se, a olho nu, resolveu vários problemas que a astronomia enfrentava
em sua época.
Brahe
inovou ao observar a trajetória dos cometas que o levou a afirmar que no
universo existiam órbitas ou trajetórias livres, em todas as direções,
refutando a tese das “esferas materiais”, ou seja, as esferas concêntricas do
sistema aristotélico. Acrescentou que os cometas revelavam uma órbita oval e
não circular como acreditavam os antigos pensadores da cosmologia tradicional.
Brahe
não aceitava a tese da mobilidade da Terra de Copérnico, nem acreditava no
sistema do mundo apresentado por Cláudio Ptolomeu. Tomando as duas teses como
ponto de partida, este pensador investigou minuciosamente o sistema do mundo,
manteve algumas observações do sistema copernicano, mas confirmou que os
planetas giravam em torno do Sol. Sendo que a Lua e o Sol, por sua vez, giravam
em torno da Terra (REALE, 1990, p. 227-233).
Johannes Kepler
Diferente
de seu mestre Tycho Brahe, Johannes Kepler (1571-1630) partiu da tese
copernicana, misturando-a as idéias do neoplatonismo que valorizava a harmonia
do universo. Assim, Kepler acreditava que a Natureza estava ordenada segundo
leis matemáticas. Isso nos lembra Platão!
Seus
estudos configuram o que entendemos hoje por um procedimento verdadeiramente
científico que começa com a proposta de uma questão-problema, seguida de uma
série de conjecturas para solucioná-la que passam por uma análise minuciosa até
se alcançar uma teoria possível. Nesse procedimento, percebe-se a paixão do
investigador ao realizar sua pesquisa, ao enfrentar as desilusões e a ansiedade
diante de muitos fracassos.
Nem
Ptolomeu, nem Copérnico, Kepler chegou à conclusão que os planetas moviam-se em
órbitas elípticas, com velocidades variáveis, afastando a tese dos círculos
concêntricos ou esferas ovais como acreditavam. Este pensador elaborou três
leis importantes: 1ª as órbitas dos planetas são elipses das quais o Sol ocupa
um dos focos; 2ª a velocidade orbital de cada planeta varia de tal modo que a
linha que liga o Sol e o Planeta cobre, em iguais intervalos de tempo, iguais
proporções de superfície da elipse; 3ª os quadrados dos períodos de revolução
dos planetas estão na mesma relação que os cubos das respectivas distâncias do
Sol (REALE, 1990, p. 244-245).
Galileu Galilei
Galileu
Galilei (1564-1642) foi o fundador da ciência moderna e o teorizador do método
científico, bem como da autonomia da pesquisa científica. Suas idéias seguiram
as teses do copernicanismo aperfeiçoado pelo uso da luneta. Suas descobertas
renderam-lhe a acusação de heresia, sendo obrigado pelo Santo Ofício a abjurar
as idéias que afirmara. Mais tarde foi condenado a prisão perpétua,
posteriormente comutada em prisão domiciliar.
Com
o aperfeiçoamento da luneta inventada pelos holandeses, Galileu começou a
acumular uma série de provas que afastavam os obstáculos que se interpunham à
aceitação do sistema heliocêntrico de Copérnico. Deste episódio temos que
destacar que ao usar a luneta, este pensador inovou ao usar um objeto como instrumento
científico, pela primeira vez na história. Essa conduta atacava a postura do
mundo científico da época que não se perturbara com a descoberta daquele
instrumento e, o que é pior, o
considerava danoso porque acreditavam que poderia entontecer o espírito do
observador.
Numa
época em que se usavam sanguessugas para curar pneumonia, usar um instrumento
para vasculhar o céu não parecia nada racional. Todavia, com esse instrumento,
Galileu observou montanhas e vales sobre a Lua e um amontoado de inumeráveis
estrelas jamais vistas, idéias que se afiguravam perigosas às verdades da fé.
Este
pensador proclamou a veracidade do sistema copernicano do mundo, reivindicando
a autonomia da ciência quando afirmou que a Bíblia não era um tratado de
astronomia e não poderia conter informações sobre a constituição e os
movimentos dos céus e das estrelas. Atacado pelos teólogos, mas não contido,
lançou mão das sensatas experiências e das demonstrações certas, considerando
que a ciência não deveria ser um saber a serviço da fé porque se fundamenta em
razões diversas. A ciência tem compromisso com a descrição verdadeira da
realidade.
A
postura científica de Galileu desvelou o núcleo essencial do método científico,
ou seja, a ciência é um saber que procede de um método baseado em experiências
e demonstrações que partem de uma hipótese. Não pura simplesmente uma
observação comum porque estas podem errar, mas um experimento que pressupõe
correção - ajustes. Uma interrogação metódica da natureza. Um experimento
científico em que o espírito ativo faz suposições e extrai conseqüências, numa
relação mútua de correção e aperfeiçoamento.
Assim,
podemos afirmar que a contribuição mais importante de Galileu foi o
desenvolvimento do método científico cujos princípios são: 1. Observar os
fenômenos tais como ocorrem, afastando preconceitos ou conceitos de natureza
religiosa; 2. Submeter as idéias à experimentação, ou seja, verificação; 3.
Descobrir a regularidade matemática em todos os fenômenos observados.
Isaac Newton
Isaac
Newton (1642-1727) foi um grande investigador experimental que conseguiu
sintetizar as duas grandes correntes da ciência moderna: a matematização e a
experiência. Inovou quando criou o cálculo infinitesimal, desenvolveu e
sistematizou a mecânica, a teoria da gravitação universal, as leis de reflexão
e refração luminosas e a teoria sobre a natureza corpuscular da luz.
O
primeiro aspecto que devemos observar no pensamento científico de Newton foi
seu modelo mecanicista de ciência. O segundo aspecto está no seu método
indutivo, ou seja, método científico que consiste em fazer experimentos e
observações e, em seguida derivar conclusões gerais mediante indução.
O
modelo mecanicista de Newton foi profundamente influenciado pela visão do
filósofo e matemático francês René Descartes (1596 - 1650), segundo a qual o
universo está em movimento e sua descrição se resume na compreensão das
interações básicas de seus componentes para formular matematicamente as leis
que os regem. Newton afirmou que a Natureza é simples e uniforme e que o
sistema do mundo se equipara a uma grande máquina, cujas partes em
funcionamento desvelam leis que podem ser detectadas indutivamente através da
observação e experimento.
Quando
investigamos a trajetória dos grandes cientistas observamos que cada um
contribuiu para o desenvolvimento do pensamento científico com teorias, nem
sempre verdadeiras, nem totalmente falsas, mas úteis na reavaliação de
conceitos e fatos. Importa perceber que todo o conhecimento coloca o problema
da verdade, porque acontece na relação entre o sujeito que conhece, o
cientista, e o objeto investigado: enunciados
ou fatos. É neste ponto que vale lembrar que o olhar do pesquisador ou
cientista não é fortuito, não é um olhar ao acaso, mas rigoroso, metódico e
incansável.
Para
Karl Popper (1922-1996), a ciência começa com um problema[3]
que incomoda o cientista, ou seja, o trabalho científico é precedido pela
formulação de um problema e pelo horizonte de expectativas que ele provoca.
Assim, motivado por um problema, elabora conjecturas, uma possível solução que
será verificada, testada. Nesta lógica, Popper (1977, p. 181) acreditou que o
mais importante está na busca pela refutação das teorias científicas,
procedimento que desvela uma revolução permanente.
Meu
ponto de vista é de (...) que a ciência parte de problemas; que esses problemas
aparecem nas tentativas que fazemos para compreender o mundo da nossa
experiência (experiência que consiste em grande parte de expectativas ou
teorias, e também em parte em conhecimento derivado da observação – embora ache
que não existe conhecimento derivado da observação pura, sem mescla de teorias
e expectativas).
Até
aqui estudamos cientistas que buscaram o conhecimento científico como um
conhecimento racional, objetivo, verificável, claro, preciso e todos utilizaram
um método, ou seja, não agiram ao acaso, mas planejaram seu trabalho. Buscaram
fundamento em conhecimentos anteriores significativos.
O
conhecimento científico não é definitivo, absoluto ou final, mas experimenta
novas indagações, a substituição gradual de hipóteses que provocam até mesmo
verdadeiras revoluções. A história do pensamento científico esclarece que o
avanço ou processo das idéias não é linear, mas dialético, ou seja, se modificam e se transformam, porque todo
investigador pertence a seu tempo e está limitado ao paradigma de sua época,
apesar de conter elementos antecipadores e revolucionários em seu
pensamento.
É
papel de uma revolução científica superar paradigmas, mas isso não quer dizer
que o paradigma que foi superado fique totalmente esquecido. Na verdade, ele
pode ser retomado por outro pensador em uma teoria nova. Podemos encontrar a
seguinte situação: uma teoria A supera o paradigma de uma teoria B; mais tarde
uma teoria C retoma aspectos da teoria B e supera a teoria A.
É
desta maneira dialética, sob o ponto
de vista histórico, que Gastón Bachelard (1884-1962), matemático e filósofo da
ciência, compreendeu a história do conhecimento científico. Este avança em
sucessivas retificações provocadas por um pensamento empenhado nas disputas das
teorias. A verdade de uma teoria é a
retificação histórica de erros anteriores (REALE, 1990, p. 1014)
O
termo dialética, do grego dialectica, significou inicialmente a
arte do diálogo e da discussão. Depois de Hegel, assumiu o sentido de
encadeamento de pensamentos nos quais o intelecto se arrasta sem poder se deter
antes da última etapa (LALANDE, 1993, p. 256). Situação em que duas razões
travam um confronto no qual se verifica uma espécie de acordo após sucessivas
mudanças de posições induzidas pela posição contrária. Compreendendo melhor
este conceito podemos resignificar a famosa frase de Newton: “Se enxerguei mais
longe, foi porque me apoiei sobre os ombros de gigantes”.
A ciência moderna: o séc. XVIII
Estudamos que o advento da ciência
moderna desencadeou alguns problemas dentre eles a questão do conhecimento verdadeiro. Vimos que duas
correntes do pensamento trataram a questão e apresentaram teses opostas à
apreensão do conhecimento. A primeira corrente, o racionalismo, no pensamento
de Descartes - seu maior sistematizador. A segunda, o empirismo de John Locke
com a tese da tábula rasa.
Durante o século XVIII, os
pensadores intensificaram ainda mais seus estudos no sentido de construir teorias
adequadas a essa nova forma de compreender o mundo, resultando em uma postura
radical contra tudo que não apresentasse evidências experimentais.
O poder da nova sociedade estava
intimamente ligado à ciência moderna. E, é nesse contexto, que surge o movimento
do Iluminismo com três teses
inovadoras, a saber: a liberdade, o individualismo e a igualdade. Teses que
resultaram no movimento da Revolução Francesa (1789). Esse momento histórico
configurou um movimento amplo que envolveu intensamente a filosofia, as artes,
a literatura, a ciência e as doutrinas políticas e jurídicas da época. Como
representantes dessa corrente de pensamento podemos citar Jean-Jacques
Rousseau(1712-1778), Voltaire (1694-1778), Diderot (1713-1784), Immanuel Kant
(1724-1804), David Hume (1711-1776), Beccaria (1738-1794) e tantos outros.
Foi um movimento cultural que
utilizou os termos iluminismo, ilustração ou esclarecimento para indicar a metáfora da luz da razão em oposição
às trevas, à ignorância e superstição. A sua idéia inicial estava calcada na
concepção da autonomia do pensar e da capacidade de conhecer o real,
ressaltando a idéia segundo a qual todos os homens são dotados de razão, uma
luz natural que possibilita o desenvolvimento da filosofia, da ciência e da
educação como projeto racional de progresso da humanidade.
O pensamento iluminista foi
influenciado pelo movimento científico do séc. XVII, em particular pela
revolução científica operada por Galileu Galilei. A descoberta do método
experimental que valorizou a técnica contribuiu para o advento da várias
ciências e a consequente dessacralização da Natureza. Para enriquecer o seu
olhar, leia o texto “A ciência na corte”:
O vendaval de novas idéias
trazidas pelo Iluminismo produziu, além de reformas políticas, um grande
incentivo à investigação no campo das ciências naturais. As novas gerações de
monarcas que surgiram ao longo do século XVIII, já formados no contexto do
pensamento das Luzes, tinham grande interesse pelos temas ligados à filosofia
natural, matemática, astronomia e história natural. Com isso, procuraram
incentivar as investigações nesses campos. Tal movimento, conhecido como
despotismo esclarecido, possibilitou um grande desenvolvimento da ciência
moderna, que exigia cada vez mais instrumentos e artefatos sofisticados e
caros.
Como consequência desse movimento
começaram a surgir academias de ciências em vários países. Os reis e rainhas
passaram a convidar filósofos naturais, naturalistas, astrônomos e matemáticos
de renome para trabalhar nessas instituições, pagando-os pelo trabalho. Dessa
forma, ao financiarem as investigações, viam seu mecenato eternizado nas
dedicatórias que os filósofos colocavam em suas publicações, tradição já em
vigor na Itália desde o Renascimento.
Uma das práticas bastante comuns
entre os naturalistas da época era formar coleções de insetos, plantas e
pedras. Alguns monarcas também procuravam patrocinar tais coleções, chegando a
organizar expedições a diferentes regiões do globo com a finalidade de
enriquecê-las. Dessa forma, nasceu na
França o Jardim do Rei, uma coletânea de espécimes provenientes de diversas
regiões da Terra. Esse jardim transformou-se ao longo do século num dos mais
importantes centros de pesquisa botânica do mundo.
A veneração pela filosofia e a
história natural não se restringiu ao patrocínio das investigações dos cientistas.
A ciência passou a frequentar também os salões da nobreza. Diversos aparatos
experimentais que produziam efeitos curiosos foram levados a estes salões para
animar festas e reuniões. Máquinas elétricas faziam sucesso nos encontros,
produzindo faísca ou eletrizando corpos que se atraíam e repeliam. A ciência
passou a frequentar as cortes da Europa, e muitos homens de ciência souberam
tirar proveito disso. Sua importância se equiparou à da música e da literatura
entre as classes abastadas da sociedade. [BRAGA, Marco. Breve história da
ciência moderna. Das luzes ao sonho do doutor Frankenstein. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2005. p. 23-24.]
Concluindo...
Acabamos de estudar alguns aspectos da ciência antiga
e moderna. Assim, podemos destacar um conceito que nos parece interessante: o
conceito de paradigma. Quando
mencionamos que o movimento científico grego apresenta uma nova postura diante
real, mas ainda está vinculado ao modelo do saber teórico ou contemplativo,
estamos querendo dizer que os cientistas da Antiguidade não promoveram uma
ruptura ou revolução no modelo grego.
Paradigma, do termo grego paradeigma, significa modelo ou padrão a ser seguido. O físico Thomas Kuhn (1922-1996) na década de
60 definiu paradigma como aquilo que
os membros de uma comunidade partilham (KUHN, 1978, p. 219). O paradigma ou
modelo é a matriz ou o pressuposto a partir do qual se pode desenvolver um
estudo científico. Uma referência inicial para o trabalho do cientista, ou
seja, um conjunto de regras, leis, teorias que interferem na vida de todos nós,
em especial em nosso pensamento.
Em alguns casos percebemos que novas teorias
científicas promoveram rupturas com os modelos vigentes em sua época e, neste
caso, costumamos dizer que houve uma substituição ou superação de paradigmas -
uma modificação substancial em nossas referências. Vejamos alguns exemplos: o
modelo heliocêntrico; a teoria de Darwin; a teoria de Einstein.
Podemos observar que em determinados momentos
pensadores superam sua própria época construindo novas teorias. Na verdade, o
ser humano pode modificar seus valores, modificar hábitos.
As rupturas epistemológicas
Gaston Bachelard (1884-1962) nos ensina
que a ciência experimenta rupturas
epistemológicas, ou seja, o aparecimento de novas teses, métodos, conceitos
que negam e substituem idéias anteriores (BACHELARD, 1996, p. 18).
Para este filósofo da ciência, a
história da ciência é a história de sucessivas rupturas epistemológicas. A palavra epistemologia, do grego episteme
(ciência, conhecimento) e logos
(discurso, ordem) é usada para designar a teoria do conhecimento científico
(MORA, 1993, p. 216). Um conhecimento que apresenta uma trajetória que precisa
ser investigada.
Mas o maior desafio, ou melhor, o maior
obstáculo epistemológico está, por
exemplo, na opinião (doxa), nos
hábitos intelectuais cristalizados, em teorias científicas apresentadas como
dogmas, dentre outros. Isto significa dizer que o maior obstáculo
epistemológico pode ser desvelado no próprio sujeito do conhecimento que
precisa aprender a retificar, diversificar e a precisar o conhecimento, mas
para melhor questionar. O fato é que o conhecimento científico não tem fim e
acrescenta: “todo conhecimento é resposta a uma pergunta. Se não há pergunta,
não pode haver conhecimento científico” (BACHELARD, 1996, p. 18).
Na verdade, o cientista não elabora pergunta alguma se nada
sabe acerca da resposta. Se não a soubesse, nada teria a perguntar. Todo
cientista ao fazer ciência oferece um ponto de vista, uma interpretação. É
nesse sentido que afirmamos que o pensamento não esgota o pensado, pois a
realidade é mais rica do que a análise do cientista; a ciência é produto
social; e, por fim, a ciência não gera certezas cabais (DEMO, 2007, p. 78-79).
Assim, estudamos que o conhecimento científico resulta da
relação dialética entre nosso saber e nosso desconhecimento.
Aprendemos também que a ciência preserva o seu caráter hipotético, porque não há certezas
absolutas.
O termo hipótese
cuja origem decorre de hypó, “debaixo
de”, “sob”, e thésis, “proposição” é
a explicação provisória de algo observado. Pode ser entendida como uma
interpretação inicial e que deve ser posteriormente confirmada.
Ao estudarmos a importância das hipóteses, compreendemos que
o trabalho do cientista é movido por interesses,
o que implica dizer que não há a análise pura e desinteressada dos fatos. Toda teoria que inicialmente nos parece oferecer alguma resposta a um
problema, suscita novas indagações.
No âmbito do conhecimento científico, encontramos os
conceitos de hipótese, teoria e fatos intimamente relacionados. Assim, podemos afirmar que o
desenvolvimento do saber científico acontece no horizonte da relação entre fatos e teorias que possibilitam a formulação de novas hipóteses.
Referências:
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria
Helena Pires. Filosofando:
introdução à filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2003.
BACHELARD,
Gaston. A formação do espírito
científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento científico.
Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
DEMO,
Pedro. Metodologia científica em
ciências sociais. São Paulo: Atlas, 2007.
KUHN,
Thomas. Estrutura das revoluções
científicas. São Paulo: Perspectiva, 1978.
LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. São Paulo: Martins
Fontes, 1993.
LAKATOS, Eva M; MARCONI, Marina de A. Metodologia científica. São Paulo:
Atlas, 2000.
LLOYD, Geoffrey Ernest R. Early
Greek Science: Thales to
Aristotle. New York: Norton & Co., 1970.
MANCHESTER, William. Fogo sobre a Terra. A mentalidade medieval e o Renascimento. Rio de Janeiro:
Ediouro, 2004.
MARCONDES,
Danilo. Iniciação à história da
filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
MORA,
José Ferrater. Dicionário de filosofia.
São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 216.
POPPER,
Karl. Lógica da
pesquisa científica. São
Paulo: EDUSP, 1985.
_______.
Autobiografia. São Paulo: Cultrix,
1977.
[1] “O grande tratado” - um estudo sobre astronomia que apresenta as mais
importantes teses da Antiguidade Clássica. Este cientista grego da fase
alexandrina absorveu o conhecimento astronómico babilónico e grego. Nesta
obra, há a tese geocêntrica estudada
pelos gregos antigos (REALE, 1990).
[2]
O termo ganhou notoriedade com a obra
de Jacob Burckhardt, sob o título A cultura do renascimento na Itália,
publicada em 1860, referência importante no séc. XIX.
[3] “Formular um problema
consiste em dizer, de maneira explícita, clara , compreensível e operacional,
qual a dificuldade com a qual nos defrontamos e que pretendemos resolver,
limitando o seu campo e apresentando suas características. Desta forma, o
objetivo da formulação do problema da pesquisa é torná-lo individualizado,
específico, inconfundível” - Rudio, F.
V. Introdução ao projeto de pesquisa científica. Apud Lakatos, E. Metodologia científica. São Paulo: Atlas, 2000, p.
139.
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